Diario de um confinado ...

Não estamos confinados mas ... o sindroma desse periodo agressivo e frustante persiste, nas mentes, no corpo e acabou mesmo por criar uma estranha familiaridade. Portugal confina regionalmente, a Espanha e a Alemanha também ... isto cria um espectro invisivel que incomoda numa época do ano aonde o desejo é de partir, fugir de casa e ir buscar umas semanas de exotismo longe do quotidiano, por muito belo que este seja. A França ameaça de fechar a fronteira com a Catalunha e os poucos 250Km que separam Montpellier de Gérona criam uma distância intransponível ... os Pirinéus tornam-se na barreira natural que sempre foram separando a europa da peninsula ibérica, esta ultima pela primeira vez livre das hordas dos invasores estivais nordicos. Coisa excepcional, ontém à noite fui à praia ver um concerto à beira mar e penso que a ultima vez que tinha visto o mediterrâneo foi em Espanha ... portanto a praia està a apenas 15Km da casa! Coisa ainda mais excepcional foi a ausência de carros estrangeiros aonde se notava algumas rarissimas matriculas belgas e holandesas olhadas com rejeito e temor pelos gauleses que este ano querem a Gàlia sò para eles ... cada um na sua casa é o mote actual. Numa época aonde os franceses criticam violentamente os poucos carros espanhois que véem em França ora que os gauleses invadem a Costa Brava todos os verões a frase; Joder con los franceses, nos miran por encima del hombro como si fueramos portugueses ... toma um sentido peculiar. Incontestàvelmente algo mudou e o paradigma ao qual estavamos habituados deriva lentamente, evolui sém dar o sentimento que seja para melhor, muda simplesmente. Portanto o princípio budista da impermanência explica que tudo muda, tudo morre, que o que existiu tém que desaparecer ... mas o conçeito é por demasiado implacàvel para ser açeite com benevolência num continente orgulhoso das suas catedrais e museus. Subsiste o constato evidente que esta crise fulgurante, este in-esperado cataclisma, tém como culpado o Homém e a sua sede de mais ... sendo este portanto, um elemento seminal e historico da humanidade. Talvez este inimigo invisivel, surdo e mudo seja o beliscão que vai nos acordar ... mas inconscientemente jà estamos a mudar, não por escolha mas por necessidade. Talvez apòs vàrios meses de dieta de musica seja hoje um bom dia para gastar um pouco de energia nuclear e ouvir um disquito ... vamos esqueçer que é pouco ou nada ecologico. Não estamos confinados mas...

Pensava que este topico estava encerrado (enterrado???) mas enganei-me ... hoje a região de Montpellier entrou em estado de semi-confinação. Os restaurantes e bares vão fechar às 10h da noite, os ginàsios e salas de desporto estão encerrados o que para simplificar, vão os deixar de novo sém ter clientes. È a continuidade de um periodo estranho e frustrante que começou no fim do inverno e parecia se ter acalmado no verão ... mas era a calma antes da tempestade. Entretanto, durante este periodo de acalmia a europa votou os 750 mil milhões de euros que são um golpe de estado e o fim da democracia europeia ... se é que a democracia existiu em Bruxelas um dia ao nivel da comissão europeia que vém de roubar o que sobrava da soberania e afundar as proximas gerações numa divida colossal. È um ano negro e a vàrios niveis pois social, economico e politico e poucos vão guardar uma boa recordação de 2020, pessoalmente não serà o caso, longe disso. Venho de chegar das compras e o supermercado estava vazio, as lojas do centro comercial também ... uma sensação estranha de que o pior ainda està para chegar paira no ar. Esta ameaça dissimulada e invisivel cria uma ambiência morbida e doentia que afasta as pessoas dos problemas de fundo para as concentrar no presente, a porta para a manipulação de massa està aberta hà vàrios meses, o preço a pagar serà gigantesco. Pensava que nada mudaria mas afinal mudou, para pior ... os meus amigos que téem empresas estão inquétos, os que são empregados também pois o futuro é incerto. A França e a Alemanha que são os paises que pagam mais e recebem menos estão confiantes e téem razão ... os gauleses jà venderam 18 aviões de caça e três fragatas à Grécia. È evidente que o dinheiro emprestado vai voltar para a algibeira dos que emprestam, e ràpidamente, então tudo vai bem. No meio deste marasmo o primeiro ministro polaco anuncia que os 140 mil milhões que estão a chegar; vão levar a Polonia a entrar nos dez anos mais gloriosos da sua historia. Hà paises que vão para a guilhotina com um sorriso feliz...

Eu bem disse que este topico não estava encerrado ... a partir de hoje à meia-noite a França està oficialmente confinada de novo e eu avec. Impossivel de sair de casa fora para o trabalho, para comprar as coisas de primeira necessidade, para despregiçar as pernas a menos de um kilometro do domicilio durante uma hora ou para actos medicos ou familiais ... tudo isto atestado pela sagrada Attestation de déplacement dérogatoire que evita uma multa consequente. O presidente anunciou isto ontém à noite e jà hoje ao meio-dia os supermercados estavam vazios de vàrios produtos pois foram "assaltados" desde a manhã pelos angustiados ou inquiétos da penuria ... confinamento e guerra não é a mesma coisa mas poucos por aqui veém a diferença! Vamos re-partir para um periodo até ao primeiro de dezembro mas que na realidade serà prolongado com todas as consequências economicas que se prevê. Se eu fosse comerciante teria a impressão que o estado està a ofereçer a economia à Amazon e às outras plataformas do E-Comércio ... uma nova linha economica està a se desenhar hà muito e hoje impõe-se como a norma, o constato é evidente. Não sou passeista e não sinto a necessidade de ir comprar em lojas fisicas tudo o que consumo, o que não quer dizer que queira que elas desapareçam ... mas com o que se passa e com a acelaração da morte dos comerciantes fisicos, é possivel que mude de ideia. Muitas ideias avulso invadém a minha mente desde ontém e nenhuma é de bom augurio para o futuro mas é possivel que veja o copo meio-vazio actualmente. Nada disto me impede de fazer a sopa de alho-porro que estava prevista para hoje e mesmo de beber um copo de branco enquanto escrevo estas linhas ... e espero que a sopa esteja cozida. O resto serà para depois, talvez...

A bruma começa a se dissipar aqui no burgo ... talvez seja uma esperança de ver o sol enfim pois jà faz três semanas que chove todo e todos os dias, a natureza precisa de agua é certo, mas também de sol. Neste segundo dia do inverno as coisas continuam na mesma, melhor que nos paises vizinhos mas é a calma antes da tempestade como desde o inicio deste triste ano. Uma esperança apareçe com as vacinas ao que se diz, não sei o que pensar e jà faz muito tempo que deixei de tentar adivinhar amanhã ... penso a hoje, ao instante preciso do presente que decorre. Bebo o meu chà verde da manhã e olho para o pinheiro iluminado e jà cheio de prendas por debaixo, adivinho alguns vinis embrulhados ... poderia ser mais um Natal como os outros, mas não é. O governo fez a prenda de ofereçer o Natal e o Ano Novo sém restrições, ou quase, pois limitado a seis pessoas ... o sistema de saude jà està a se preparar para a terçeira vaga pois tal serà o preço desse presente, uma prenda tém sempre um preço. Actualmente não estamos confinados mas o recolher é obrigatorio das 20h até às seis da manhã ... é uma boa ideia e a melhor coisa que apareçeu este ano pois obriga os amigos a dormirem em casa apòs um jantar bem regado, coisa frequente ... o alcool na estrada, sobretudo à noite, é ainda pior que o virus. Os meus filhos mais velhos véem comer na quinta ao meio-dia, estou contente pois jà faz meses que não os vi ora que vivem aqui ao lado ... eduquei-os para abandonar o ninho muito depressa e ir encontrar no mundo o lugar deles, mesmo longe de mim o que os levou até à asia e à australia, mas agora que jà estão de volta ainda nos vemos menos. A minha mulher educou o seu ao contràrio e queixa-se da sua omnipresência ... inversamente eu sinto falta deles por vezes, não hà volta a dar e a perfeição não existe. Profissionalmente foi um ano complicado pois tive muitas poucas encomendas durante o primeiro confinamento e actualmente elas chovém ... ném busco as razões deste fenomeno pois enganaria-me, não creio que as pessoas véem de descobrir a musica, não é verdade, eles véem de descobrir a obrigação de estar em casa e durante o inverno os amplificadores com vàlvulas lembram a lareira, servém de decoração e ainda por cima permitem de esqueçer o que se passa ... comprar ou comer para esqueçer é um fenomeno tão velho como o mundo, chama-se a isso a compensação. O ano ainda não acabou mas dou-me conta que escutei muito menos musica que habitualmente e que ao contrario namorei o vinho ... alternar as boas coisas é honrar a memoria do Baudelaire, é uma arte de vida pois como dizia o mestre: O hedonista não é aquele que come muito, mas aquele que degusta com prazer a todas as formas da vida. Comprei muitos discos este ano, muitos que ainda não escutei ... é a minha forma de compensação ou talvez a vontade de guardar simbolos deste atipico ano, logo verei apòs isto tudo. O principio da impermanência budista diz-nos que tudo o que existe tém que desaparecer, nada é eterno, então serà de mesmo com este virus e a crise associada ... pois algo é certo, isto vai-se acabar um dia ou outro. Veremos no futuro este ano, cada um à sua maneira, como um periodo singular nas nossas vidas, uma forma de guerra com um inimigo invisivel mas, que teve a elegância de nos atacar a todos sém distinção ném de cor ném de raça ou religião o que faz dele um inimigo raro. Hà pouco tempo numa conversa à mesa um amigo dizia que este virus tinha como alvo os velhotes e o meu filho pequeno respondeu: se o virus sò ataca os velhotes então não é uma doença, chama-se a Morte ... o raciocinio das crianças é sempre perturbante!...