Assunto: O que me ocorre dizer... Dom Dez 19 2021, 07:28
O meu nome é mesmo o do perfil com o inevitável Zé por não gostar do José.
As minhas habilitações académicas e profissão, por mais estimáveis que sejam, são absolutamente irrelevantes para conhecimentos técnicos da área pelo que vou omitir essa parte.
Nasci fora de Portugal, vivo e trabalhei em três continentes o que me dá alguma plasticidade mental.
Já estou no último terço da vida, o que significa, por ser essencialmente um melómano, já ter ouvido muita música e alguns equipamentos.
Felizmente continuo a ouvir bem, quer os sons, quer a música ( que é uma coisa diferente)
Como sei que a audição é o mais apurado dos sentidos e que qualquer ser humano saudável reconhece um som em 0,05 segundos e consegue aperceber-se de uma modificação do mesmo ainda mais rapidamente constato aqui, por honestidade intelectual, uma das principais razões porque sou um subjectivista científico, o que parece um paradoxo mas não é pois não há outra alternativa á vista dos dados que toda a neurociência da música nos deu neste século ( que permanece quase desconhecida nos meios audiófilos)
Cito a propósito da audição o Prof. Seth S. Horowitz; o nosso, o cérebro é tão hábil em ouvir as diferenças entre os sons que podemos sentir as mudanças de som que ocorrem em "menos de um milionésimo de segundo", "The Universal Sense"
Cito a propósito da música Prof. Israel Nelken ; " Nós não ouvimos música mas outra coisa ; SONS Sons são as seqüências de tempo de pressão no tímpano a MÚSICA é uma RECONSTRUÇÃO cerebral de algo que os músicos produzem. Os músicos, porque lidam com construções de alto nível, não com sons , produzem música mas nós só a ouvimos depois de ela passar o córtex auditivo e inundar todas as regiões do cérebro que constituem o auditório cerebral"
Constato, após todos os dados deste século que a biologia e a neurociência nos deu, que o grande e saudoso maestro Sergiu Celibidache, mais de 50 anos atrás, estava certo quando perguntava e afirmava;
O que é afinal a música ? ………….. Seria possível falar de música se não fosse a consciência humana ? …. Eu posso perceber dois sons ( ponto A e B). Se os percebo individualmente eu permaneço ao nível da consciência perceptiva. Ao contrário se eu perceber A e B e conseguir ligar A a B e B a A, eu supero a consciência perceptiva e estou no nível da consciência subjectiva. A capacidade de perceber a relação , no tempo e no espaço, de dois fenómenos ( sonoros) é a caracterização do talento ou da faculdade da percepção musical.
Alexandre Vieira e masa gostam desta mensagem
galvaorod Membro AAP
Mensagens : 1155 Data de inscrição : 14/04/2017
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Dom Dez 19 2021, 10:20
Bem vindo ao fórum.
Vai fazer novos e bons conhecimentos por aqui, espero.
Alguns dos foristas são iniciados na teoria do áudio até ao nível do misticismo técnico.
Luis_vxd Membro AAP
Mensagens : 102 Data de inscrição : 13/11/2021 Idade : 69 Localização : Bombarral
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Dom Dez 19 2021, 12:41
Bem vindo ao Forum
luis lopes Membro AAP
Mensagens : 4993 Data de inscrição : 25/02/2011 Idade : 57 Localização : Covilhã
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Dom Dez 19 2021, 14:41
PedroGV Membro AAP
Mensagens : 588 Data de inscrição : 17/03/2013 Idade : 67 Localização : Parede/Cascais
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Dom Dez 19 2021, 18:50
Bem vindo!
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Dom Dez 19 2021, 21:10
galvaorod escreveu:
Bem vindo ao fórum.
Vai fazer novos e bons conhecimentos por aqui, espero.
Alguns dos foristas são iniciados na teoria do áudio até ao nível do misticismo técnico.
Obrigado.
A questão tecnológica é importante no áudio e na história da humanidade ( Marshall McLhuan tinha razão em muita coisa) mas como alguém escreveu aqui algures, os sistemas de áudio destinam-se a reproduzir MÚSICA. Ora esta é a linguagem das emoções apenas acessível aos seres humanos ( que não sofram de amusia)
Como a audição da música (em sentido próprio) é um evento abstracto e sensitivo só cognoscível pelo cérebro humano, traduz-se a jusante sempre numa realidade subjectiva, de cada sujeito em particular, que felizmente hoje a ciência já pode avaliar com bastante rigor dadas as tecnologias que tem ao seu dispôr.
Questões físicas e tecnológicas como a acústica e a perfomance dos equipamentos entram apenas a montante como inputs de uma equação final muito complexa, subjectiva e individual.
A melhor tecnologia sonora não é a mais recente , nem a que mede melhor no laboratório, mas aquela que em cada caso concreto dá ao ouvinte maior recompensa sensitiva, comprovável pelas técnicas de scanner cerebral que a neurociência hoje dispõe ( CT, MRI, fMRI, PET, SPECT, DTI, DOT)
TD124 Membro AAP
Mensagens : 8270 Data de inscrição : 07/07/2010 Idade : 59 Localização : França
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Seg Dez 20 2021, 07:47
Zé Carlos escreveu:
...Questões físicas e tecnológicas como a acústica e a perfomance dos equipamentos entram apenas a montante como inputs de uma equação final muito complexa, subjectiva e individual...
Seja bem vindo Zé Carlos
Aqui no forum tém vàrios topicos aonde uma certa visão do audio tém sido abordada a partir de opiniões muito diferentes, mais um novo ponto de vista sò pode enriqueçer os debates
Zé Carlos gosta desta mensagem
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Seg Dez 20 2021, 09:13
TD124 escreveu:
Zé Carlos escreveu:
...Questões físicas e tecnológicas como a acústica e a perfomance dos equipamentos entram apenas a montante como inputs de uma equação final muito complexa, subjectiva e individual...
Seja bem vindo Zé Carlos
Aqui no forum tém vàrios topicos aonde uma certa visão do audio tém sido abordada a partir de opiniões muito diferentes, mais um novo ponto de vista sò pode enriqueçer os debates
Obrigado
Imagino que sim e vejo na Internet portuguesa e estrangeira discussão acesa.
No meu caso mais do que um ponto de vista é uma inevitabilidade : eu limito-me a obedecer à finalidade primeira que animou os pioneiros da alta fidelidade ( o sonho ou talvez quimera de trazer para o ambiente doméstico o som da música real em especial o milagre que é a sonoridade de uma orquestra sinfónica) e ás concepções dominantes na ciência do que é a música e a audição humana.
Vejo neste espaço e noutros que as análises e os pontos de vista estão quase todas centrados nas performances dos equipamentos, na preferência pessoal legitima, na acustica e na fidelidade ao sinal original gravado, que em 99% dos casos não sabemos qual foi por ausência de informações técnicas.
Eu entendo que a tecnologia desde há muito tempo é competente e me permite deixar tudo nas mãos da música e do conhecimento científico sobre a forma como "escutamos" a música , o mesmo é dizer na experiência sensorial pessoal e intransmissível que constitui a audição musical por seres humanos que na verdade se deveria chamar percepção (sensação/realização) musical e não audição.
Simplificando : quanto mais me emociona e estimula um equipamento a tocar melhor ele é. Mais musical ele é. Mas ele está de acordo com a nossa genética musical, com a nossa evolução como seres vivos enquanto seres musicais ( a música antecedeu a linguagem) e com a configuração do nosso auditório cerebral que abrange vastas regiões do cérebro não se limitando de maneira nenhuma ao sistema auditivo sticto sensu.
TD124 Membro AAP
Mensagens : 8270 Data de inscrição : 07/07/2010 Idade : 59 Localização : França
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Seg Dez 20 2021, 10:45
Zé Carlos escreveu:
...Como sei que a audição é o mais apurado dos sentidos e que qualquer ser humano saudável reconhece um som em 0,05 segundos e consegue aperceber-se de uma modificação do mesmo ainda mais rapidamente constato aqui, por honestidade intelectual, uma das principais razões porque sou um subjectivista científico, o que parece um paradoxo mas não é pois não há outra alternativa á vista dos dados que toda a neurociência da música nos deu neste século...
...Vejo neste espaço e noutros que as análises e os pontos de vista estão quase todas centrados nas performances dos equipamentos, na preferência pessoal legitima, na acustica e na fidelidade ao sinal original gravado, que em 99% dos casos não sabemos qual foi por ausência de informações técnicas...
Caro Zé Carlos, admiro essa posição de "subjectivista ciêntifico" o que me leva a pensar que afinal pode existir uma, ou vàrias, vias do meio... sendo estas o espaço mediano entre a visão puramente subjectivista ou a estrictamente objectivista. Quanto aos pontos de vista geralmente mencionados, neste espaço o noutro, são como sempre o resultado da nossa experiência e dos nossos hàbitos intelectuais assim que dos nossos limites teoricos... a sua visão pode nos ajudar a cada um a ver as coisas com uma ferramenta suplementar, isso sò pode ser enriquecedor!...
Aqui não é o lugar mas como jà disse existém muitos topicos neste espaço que directamente ou indirectamente abordam esses assuntos... leia-os e diga da sua justiça
José Miguel Membro AAP
Mensagens : 9401 Data de inscrição : 16/08/2015 Idade : 43 Localização : A Norte, ainda a Norte...
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Seg Dez 20 2021, 12:31
Zé Carlos escreveu:
(...)
Eu entendo que a tecnologia desde há muito tempo é competente e me permite deixar tudo nas mãos da música e do conhecimento científico sobre a forma como "escutamos" a música , o mesmo é dizer na experiência sensorial pessoal e intransmissível que constitui a audição musical por seres humanos que na verdade se deveria chamar percepção (sensação/realização) musical e não audição.
Simplificando : quanto mais me emociona e estimula um equipamento a tocar melhor ele é. Mais musical ele é. Mas ele está de acordo com a nossa genética musical, com a nossa evolução como seres vivos enquanto seres musicais ( a música antecedeu a linguagem) e com a configuração do nosso auditório cerebral que abrange vastas regiões do cérebro não se limitando de maneira nenhuma ao sistema auditivo sticto sensu.
Bom dia caro Zé Carlos, seja muito bem-vindo!
Foi um gosto ler estas suas primeiras intervenções, por aqui há conversas animadas, debates sobre o temas que aqui coloca - a percepção da Música e do Mundo dá para animadas conversas é é bom ter por cá uma pessoa que gosta destes temas.
Permita-me desde já colocar-me com um pé perto de si e outro um pouco menos próximo: a Música é uma forma de Linguagem, ela permite a comunicação; não devemos confundir Música com as Línguas convencionais, as regras não são as mesmas (especialmente ao nível da sintaxe); A Música nasce da necessidade do Homem se exprimir e pelas várias limitações que temos ao nível da expressão; A forma como evoluímos está intimamente ligada à forma como comunicamos e à forma como a nossa capacidade de conhecer se foi desenvolvendo.
Eu tenho abordado a questão do sinal e da possibilidade de fidelidade dos equipamentos a esse sinal gravado, isto coloca-me próximo dos dados científicos e da crença neles, contudo eu não deixo de acreditar na máquina de conhecer altamente imperfeita que somos, ou seja, de acreditar que a mundividência de cada um é singular. Quando estas duas crenças se tocam nasce uma outra, e das três nasce outra e por aí adiante. Eu vou escutar Música não apenas pelo que ela é e exprime, por aquilo que o meu cérebro processa e desperta em termos emocionais, mas também pelo que tenho de crenças que balizam a capacidade de percepção.
Num tópico aqui ao lado (A pedra filosofal...), na última mensagem, está dito algo de forma simples e que resume bem o problema: se procurarmos a excelência técnica, hoje estamos perto; se procurarmos a percepção do "musical", estaremos perante uma questão diferente (bem interessante, que acabará por tocar a outra).
Não me alongo mais, é bom ver esse tipo de abertura que revela.
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Seg Dez 20 2021, 22:41
José Miguel escreveu:
Zé Carlos escreveu:
(...)
Eu entendo que a tecnologia desde há muito tempo é competente e me permite deixar tudo nas mãos da música e do conhecimento científico sobre a forma como "escutamos" a música , o mesmo é dizer na experiência sensorial pessoal e intransmissível que constitui a audição musical por seres humanos que na verdade se deveria chamar percepção (sensação/realização) musical e não audição.
Simplificando : quanto mais me emociona e estimula um equipamento a tocar melhor ele é. Mais musical ele é. Mas ele está de acordo com a nossa genética musical, com a nossa evolução como seres vivos enquanto seres musicais ( a música antecedeu a linguagem) e com a configuração do nosso auditório cerebral que abrange vastas regiões do cérebro não se limitando de maneira nenhuma ao sistema auditivo sticto sensu.
Bom dia caro Zé Carlos, seja muito bem-vindo!
Foi um gosto ler estas suas primeiras intervenções, por aqui há conversas animadas, debates sobre o temas que aqui coloca - a percepção da Música e do Mundo dá para animadas conversas é é bom ter por cá uma pessoa que gosta destes temas.
Permita-me desde já colocar-me com um pé perto de si e outro um pouco menos próximo: a Música é uma forma de Linguagem, ela permite a comunicação; não devemos confundir Música com as Línguas convencionais, as regras não são as mesmas (especialmente ao nível da sintaxe); A Música nasce da necessidade do Homem se exprimir e pelas várias limitações que temos ao nível da expressão; A forma como evoluímos está intimamente ligada à forma como comunicamos e à forma como a nossa capacidade de conhecer se foi desenvolvendo.
Eu tenho abordado a questão do sinal e da possibilidade de fidelidade dos equipamentos a esse sinal gravado, isto coloca-me próximo dos dados científicos e da crença neles, contudo eu não deixo de acreditar na máquina de conhecer altamente imperfeita que somos, ou seja, de acreditar que a mundividência de cada um é singular. Quando estas duas crenças se tocam nasce uma outra, e das três nasce outra e por aí adiante. Eu vou escutar Música não apenas pelo que ela é e exprime, por aquilo que o meu cérebro processa e desperta em termos emocionais, mas também pelo que tenho de crenças que balizam a capacidade de percepção.
Num tópico aqui ao lado (A pedra filosofal...), na última mensagem, está dito algo de forma simples e que resume bem o problema: se procurarmos a excelência técnica, hoje estamos perto; se procurarmos a percepção do "musical", estaremos perante uma questão diferente (bem interessante, que acabará por tocar a outra).
Não me alongo mais, é bom ver esse tipo de abertura que revela.
Obrigado
A questão é que há uma dualidade humana entre o que nós somos fisicamente e a nosso intelecto. O físico, sobretudo o cérebro, desde que saudável, é uma máquina quase infalível. O nosso intelecto, a nossa razão duvida e engana, mas o cérebro parece que não.
Veja este exemplo com um cientista de créditos firmados
https://www.youtube.com/watch?v=wc6m0Uyis-8
Finalmente tecnologia é uma coisa e ciência é outra. A tecnologia visa a operacionalidade, a funcionalidade, a ciência o conhecimento da verdade. A ciência tem um método, um protocolo, um escrutínio duplamente público ; pelos outros cientistas e pela população. Por definição está sempre disponível para qualquer revisão.
Exemplo; tecnologicamente um bom forno elétrico com temperatura estável é melhor que a instabilidade de um forno a lenha. Todavia um pão ou um cabrido assado no forno, sabem sempre melhor quando oriundos do forno a lenha.
No áudio, para muitos também é assim
José Miguel Membro AAP
Mensagens : 9401 Data de inscrição : 16/08/2015 Idade : 43 Localização : A Norte, ainda a Norte...
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Ter Dez 21 2021, 08:55
Zé Carlos escreveu:
Obrigado
A questão é que há uma dualidade humana entre o que nós somos fisicamente e a nosso intelecto. O físico, sobretudo o cérebro, desde que saudável, é uma máquina quase infalível. O nosso intelecto, a nossa razão duvida e engana, mas o cérebro parece que não.
Veja este exemplo com um cientista de créditos firmados
https://www.youtube.com/watch?v=wc6m0Uyis-8
Finalmente tecnologia é uma coisa e ciência é outra. A tecnologia visa a operacionalidade, a funcionalidade, a ciência o conhecimento da verdade. A ciência tem um método, um protocolo, um escrutínio duplamente público ; pelos outros cientistas e pela população. Por definição está sempre disponível para qualquer revisão.
Exemplo; tecnologicamente um bom forno elétrico com temperatura estável é melhor que a instabilidade de um forno a lenha. Todavia um pão ou um cabrido assado no forno, sabem sempre melhor quando oriundos do forno a lenha.
No áudio, para muitos também é assim
Bom dia!
O problema dessa experiência (presente no vídeo) é: não se separa o físico (hardware) do não-físico (software).
Sabe-se que o nosso cérebro é uma máquina complexa com uma função simples, a saber, garantir a sobrevivência. O nosso desenvolvimento enquanto animais individuais e espécie conduziu ao desenvolvimento do cérebro para se ocupar de funções bem mais complexas, como o viver em bem-estar.
O simples facto de nós termos evoluído em paralelo (aqui entenda interligados) com a evolução da Linguagem, dentro desta as mais variadas formas de expressão (Línguas, Música, Pintura, Escultura, ...), faz com que a nossa mundividência seja medida de uma forma muito especial e diferente de outros que por cá andaram antes de nós - exemplo de Música, o que diriam os compositores do Renascimento sobre alguma da Música que hoje se faz e não segue notas ou escalas?
Que esse senhor do vídeo tenha maior actividade cerebral com Bach, isso parece-me uma inevitabilidade - ele afirma escutar e preferir Bach; que o cérebro dele reconheça Bach para lá da memória útil dele, da capacidade de compreensão imediata, também é outra coisa normal (a nossa memória útil é uma pequena parte da totalidade do que conseguimos armazenar).
Estamos de acordo que o nosso cérebro é uma máquina incrível, eu apenas não consigo separar o nosso lado "máquina" do lado que pensa (razão) ou sente (emoção).
O seu exemplo do cabrito assado tem interesse se conseguirmos separar duas coisas: o cabrito em si, enquanto iguaria culinária, está mais próximo do que é a Música; pensar o forno em separado permite-nos equacionar que melhor forno existe para fazer esse cabrito de forma a que o resultado seja previsível.
Nós, espécie, já cozinhamos com fogueira aberta, hoje só por graça o fazemos, mesmo que saiba bem (altamente imprevisível o resultado). O forno a lenha evoluiu e hoje existem os que permitem grande controlo de temperatura e manter o sabor característico.
Um sistema de áudio em casa visa a reprodução de Música e não a criação de Música. Visa ainda a criação de momentos de bem-estar e não de mal-estar, por isso o nosso cérebro (na medida em que está preenchido de conhecimento e crenças) vai escolher o que lhe souber melhor.
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Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Ter Dez 21 2021, 13:59
Retenho que diz uma coisa fundamental e muitas vezes esquecida. A finalidade última é a criação de momentos de bem estar, que são fisicamente observáveis e mensuráveis hoje pela ciência através da actividade cerebral. Níveis elevados de dopamina em suma.
Já a questão da reprodução / criação de música foi com algum espanto que tomei conhecimento pelas leituras da neurociencia musical que de facto nós recriamos a música no nosso auditório cerebral.
Ouvimos sons apenas. A interpretação desses sons como música é sempre individual e cerebral. Uma pessoa que sofra de amusia musical pode ter o melhor ouvido do mundo, todavia jamais escutará música. A experiência de um concerto para essas pessoas é traumatizante. Ruído puro.
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José Miguel Membro AAP
Mensagens : 9401 Data de inscrição : 16/08/2015 Idade : 43 Localização : A Norte, ainda a Norte...
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Ter Dez 21 2021, 14:11
Zé Carlos escreveu:
Retenho que diz uma coisa fundamental e muitas vezes esquecida. A finalidade última é a criação de momentos de bem estar, que são fisicamente observáveis e mensuráveis hoje pela ciência através da actividade cerebral. Níveis elevados de dopamina em suma.
Já a questão da reprodução / criação de música foi com algum espanto que tomei conhecimento pelas leituras da neurociencia musical que de facto nós recriamos a música no nosso auditório cerebral.
Ouvimos sons apenas. A interpretação desses sons como música é sempre individual e cerebral. Uma pessoa que sofra de amusia musical pode ter o melhor ouvido do mundo, todavia jamais escutará música. A experiência de um concerto para essas pessoas é traumatizante. Ruído puro.
A história do pensamento (especulativo/filosófico) chegou a essas conclusões faz séculos, hoje a ciência permite-nos compreender que a teoria apontava para o lugar certo.
Apesar de sermos singulares, tal como já partilhei, pela nossa formação (educação, cultura, instrução, socialização, ...) nós vamos reconstituir os sons de forma semelhante. O nosso cérebro não evoluiu de forma independente do nosso corpo, ou melhor, a nossa evolução é interactiva e o que pensamos e sentimos anda de mãos dadas - por isso me referi ao vídeo que partilhou como sendo exemplo disto que digo.
Acho curioso que não goste de aplicar a ciência dura ao desenvolvimento de um equipamento áudio, mas goste de olhar para o cérebro como algo (quase) só mecânico. As imagens do nosso cérebro, infelizmente, estão longe de nos dizer o que é que nós conhecemos quando conhecemos, o que sentimos quando sentimos, etc. Creio que deve saber disto, tem essa abertura para a subjectividade.
Por aqui há sempre espaço para este tipo de conversa e olhar o áudio, espero ler muito de si.
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Ter Dez 21 2021, 16:54
O mundo físico, elétrico, eletrónico, acústico dos equipamentos de áudio operam segundo leis físicas, matemáticas e da mecânica clássica que não são aplicáveis ao cérebro e á consciência que se parece mais com a música estando mais para os lados da mecânica quântica ( o que não ajuda nada ....)
O cérebro parece um sistema de ressonância vibracional multi-escalar - não muito diferente de uma orquestra.
Por outro lado numa perspectiva meramente estrutural e mecanicista a visão computacional do funcionamento do cérebro com várias regiões compartimentadas está já ultrapassada em muitos aspectos e o melhor exemplo disso é a música que carece da intervenção não apenas do cortex auditivo mas de outras regiões do cérebro para ser "realizada".
Cito, o Israel Nelken da Universidade de Jerusalém, especialista no sistema auditivo, um cientista árido de ler mas com um ranking elevado ( i10-index, 101 ) e com 12.107 citações no meio académico ( é de presumir que sabe do fala)
[i] With our current understanding of the auditory system, we stand in the paradoxical situation in which we do not understand “sound,” while we have a strong handle on “organization.” Thus, the low-level representations of sounds on which music is based are badly understood, and may in fact occur only “higher up” in the brain, outside the auditory brain as defined here. On the other hand, high-level aspects of music, such as sound organization in time, are strongly reflected within this same auditory brain. There is in fact significant amount of processing in the auditory brain which I find highly relevant for music. However, it does not have much to do with the “sound” of music, but rather with the “organization” of music. The auditory brain shows little evidence of sound representations in terms of their perceptual qualities, and, even worse, does not even seem to represent sounds at all, at least in the usual everyday sense of the use of the word “sound.” Instead, the auditory brain seems to represent, quite well, the physical vibrations of the tympanic membrane.
José Miguel Membro AAP
Mensagens : 9401 Data de inscrição : 16/08/2015 Idade : 43 Localização : A Norte, ainda a Norte...
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Qua Dez 22 2021, 09:42
Zé Carlos, pode alongar a sua intervenção e explicar melhor o que quis dizer com ela?
Uma coisa positiva, fez-me iniciar o dia a ler o artigo de Israel Nelken, creio que será o mesmo de onde retirou essa citação: https://www.readcube.com/articles/10.3389/fnhum.2011.00106
Atenção que desde o abstract ele refere não conseguir explicar/compreender como a Música é processada por nós, mais ou menos o que lhe tentei dizer nas minhas intervenções.
Ao longo da história da se tentaram elevar teses mecanicistas, o fisicalismo acaba sempre por cair. O nosso cérebro está a ser mapeado, o problema reside na compreensão que está para lá dos impulsos... o próprio Israel Nelken reconhece as limitações do seu trabalho.
Uma coisa que está no início do artigo e que me custa aceitar: sons da natureza não são Música. Eu escuto Música com field recording e as partes em que os sons da natureza aparecem não deixam de ser Música. A comparação com o pôr-de-sol não me parece feliz.
Já partilhei algures por aqui: há uma tese entre os Músicos de Ambient Music que diz que no volume certo alguns sons podem transportar-nos para a sensação de silêncio.
Nós não sabemos o que é o silêncio absoluto (o Zé Carlos até partilhou uma representação do que será o ruído no nosso cérebro), pelo que a definição mais alargada de Música poderá alargar horizontes de estudo e compreensão (ou já alargou, tenho que investigar melhor este tema).
Agradeço a partilha.
Zé Carlos gosta desta mensagem
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Qua Dez 22 2021, 13:26
José Miguel escreveu:
Zé Carlos, pode alongar a sua intervenção e explicar melhor o que quis dizer com ela?
Uma coisa positiva, fez-me iniciar o dia a ler o artigo de Israel Nelken, creio que será o mesmo de onde retirou essa citação: https://www.readcube.com/articles/10.3389/fnhum.2011.00106
Atenção que desde o abstract ele refere não conseguir explicar/compreender como a Música é processada por nós, mais ou menos o que lhe tentei dizer nas minhas intervenções.
Ao longo da história da se tentaram elevar teses mecanicistas, o fisicalismo acaba sempre por cair. O nosso cérebro está a ser mapeado, o problema reside na compreensão que está para lá dos impulsos... o próprio Israel Nelken reconhece as limitações do seu trabalho.
Uma coisa que está no início do artigo e que me custa aceitar: sons da natureza não são Música. Eu escuto Música com field recording e as partes em que os sons da natureza aparecem não deixam de ser Música. A comparação com o pôr-de-sol não me parece feliz.
Já partilhei algures por aqui: há uma tese entre os Músicos de Ambient Music que diz que no volume certo alguns sons podem transportar-nos para a sensação de silêncio.
Nós não sabemos o que é o silêncio absoluto (o Zé Carlos até partilhou uma representação do que será o ruído no nosso cérebro), pelo que a definição mais alargada de Música poderá alargar horizontes de estudo e compreensão (ou já alargou, tenho que investigar melhor este tema).
Agradeço a partilha.
Boa tarde
Vamos para começar só dar uma perspectiva evolucionista da audição. 270/ 290 milhões de anos alguns ancestrais começaram a sair da água para viver na terra. Precisavam de ouvir melhor porque na terra o som é salvo erro 5 vezes mais lento que na água. Adaptaram as guelras para se transformarem em orelhas, ou seja ouvido externo para captar as ondas sonoras mas o ouvido médio, onde está o tímpano ainda era muito deficiente, quanto comparado com o que é hoje . Na melhor das hipóteses tinha um pequeno osso originário da mandíbula para pressionar o tímpano.
O registro mais antigo de uma mamífero com um ouvido médio como o nosso remonta a 120 milhões de anos atrás . O bicharoco chama-se Origolestes lii e já apresenta a complexa arquitectura do ouvido interno humano com três ossos que nós hoje chamamos de martelo, bigorna e estribo.
Simplificando, esses ossículos convertem mecanicamente as vibrações do tímpano em ondas de pressão que são amplificadas no fluido da cóclea onde as milhares de células ciliadas agitadas pelas vibrações sonoras, produzem impulsos elétricos que o cérebro decodificará e localizará como sons ambientes, animais, linguagem, música , encaminhando-os até ao cortex auditivo. ( note que o paper cientifico do Israel Nelken se limita até a esta área)
O primeiro aspecto importante a reter é que temos uma super audição, com 120 milhões de configuração anatómica porque os ouvidos eram essencialmente um ESCUDO DE DEFESA. Nessa altura havia dinossauros por todos os lados, bem como muitos outros predadores. O Tiranossauro Rex provavelmente achava o pequeno Origolestes lii um petisco.
O primeiro motivo para termos uma confiança muito grande na nossa audição é a de que temos 120 milhões de anos de configuração anatómica oriunda de algum ancestral comum. Quando um sistema de som nos soa bem podemos confiar cegamente na nossa audição.
Á qualidade desta audição sonora, juntamos uma outra . A qualidade da audição musical. Porque a música antecede a linguagem e provavelmente a agricultura.
( agora vou almoçar, quando puder continuo)
José Miguel Membro AAP
Mensagens : 9401 Data de inscrição : 16/08/2015 Idade : 43 Localização : A Norte, ainda a Norte...
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Qua Dez 22 2021, 14:10
Zé Carlos, cá estarei para acompanhar a sua explicação.
A parte da evolução eu conheço mais ou menos, já a parte de podermos confiar cegamente levanta-me dúvidas - mas a gente entende-se na conversa, pois a evolução também nos fez "perder" capacidades, desde logo por podermos confiar nessa incrível rede a que chamamos de Sociedade.
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Qui Dez 23 2021, 00:37
José Miguel escreveu:
Zé Carlos, cá estarei para acompanhar a sua explicação.
A parte da evolução eu conheço mais ou menos, já a parte de podermos confiar cegamente levanta-me dúvidas - mas a gente entende-se na conversa, pois a evolução também nos fez "perder" capacidades, desde logo por podermos confiar nessa incrível rede a que chamamos de Sociedade.
O córtex auditivo tem 6 segmentos nervosos, os dois maiores são os que tratam da linguagem falada e o da música, mas este é o que ocupa mais espaço. Isto não é obra do acaso mas de milhares e milhares de anos de evolução.
Depois a música não acaba no córtex auditivo mas espalha-se por mais dez regiões pelo menos....
Parece mais uma árvore de Natal ( ligada é bem de ver ...)
A música está na consciência humana perceptiva dizia Celibidache, é um fenómeno da emoção dizem os filósofos, está no domínio do intangível. Não é mensurável seja como for.
Mas se nos soa mesmo bela...se nos emociona, se nos eleva, então o "sistema de som" está de certeza a tocar bem.
Exemplifico ; se o ouvinte A prefere sempre uma fonte analógica no seu sistema pois ao ouvir isso lhe dá mais prazer, naturalmente que o melhor sistema, objectivamente para ele, é o que tem uma fonte analógica. Porque quando se trata dos domínios das sensações o que é objectivo é sempre a interioridade do sujeito e não o que é exterior.
É que não é uma questão de "gosto". É uma questão relevante, de recompensa sensorial, de bem estar , de harmonia espiritual, que é sempre pessoal. E hoje com as tecnologias de scaneamento cerebral é possível confirmar o que é melhor para cada pessoa em concreto. E saber que não é nenhum efeito placebo nem confusão mental.
Fernando Salvado gosta desta mensagem
masa Membro AAP
Mensagens : 411 Data de inscrição : 29/01/2013 Idade : 79 Localização : Vale de Milhaços
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Qui Dez 23 2021, 19:57
Bem vindo e obrigado pelo contributo cientifico . Interessantíssimo.
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: O que me ocorre dizer... Sex Dez 24 2021, 00:55
masa escreveu:
Bem vindo e obrigado pelo contributo cientifico . Interessantíssimo.
obrigado pelas suas palavras
Somos seres humanos porque somos seres musicais. A música antecedeu a linguagem , foi PROVAVELMENTE o primeiro factor cultural gregário dos nossos antepassados, acredito que o Homo Bodoensis já tivesse práticas musicais dada a ampla rede genética musical que trazemos ao nascer. Há vestígios arqueológicos de várias flautas com mais de 40.000 anos. Ora a produção de flautas já implica a noção de elementos estruturais da música.
É sabido que vários músicos quando crianças, antes de saber ler e com linguagem verbal limitada, já liam todavia pautas de música
Scientists have long wondered if the human brain contains neural mechanisms specific to music perception. Now, for the first time, MIT neuroscientists have identified a neural population in the human auditory cortex that responds selectively to sounds that people typically categorize as music, but not to speech or other environmental sounds.
---------------------------------------------------------------------------------------- Convergent evidence for the molecular basis of musical traits