Assunto: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 23 2022, 00:24
A música é só música, eu sei. Não há outros termos em que falar dela a não ser que ela mesma seja menos que si mesma. Mas o caso é que falar de música em tais termos é como descrever um quadro em cores e formas e volumes, sem mostrá-lo ou sem sequer havê-lo visto alguma vez. Vejamo-lo, bem sei, calados, vendo. E se a música for música, ouçamo-la e mais nada. No entanto, nenhum silêncio recolhido nos persiste além de alguns minutos. E não dura na memória como silêncio. Ou se dura, esse silêncio cala a própria música que adora. Porque a música não é silêncio mas silêncio que anuncia ou prenuncia o som e o ritmo. Se os sons, porém, não são de devaneio, e sim a inteligência que no abstracto busca ad infinitum combinações possíveis bem que ilimitadas; se tudo se organiza como a variada imagem de uma ideia despojada de sentido; se tudo soa como a própria liberdade dos acasos lógicos que os grupos, e os grandes números, e as proporções conhecem necessários; se tudo repercute como em cânones cada vez mais complexos que não desenvol- vem um raciocínio mas o transformam de um si mesmo em si; se tudo se acumula menos como som que como pedras esculpidas em volutas brancas e douradas cujos recantos de sombra são um trompe-l’œil para que elas mais sejam em paredes curvas; se uma alegria é força de viver e de inventar e de bater nas teclas em cascatas de ordem; e se tudo existiu na música para que tal triunfo e dele descende tudo o que de arquitectura possa existir em notas sem sentido – COMO não proclamar que essa grandeza imensa não se comove com íntimos segredos (mesmo implica que não haja segredo em nada que se faça a não ser o espanto de fazer-se aquilo), é como que uma cúpula de som dentro da qual possamos ter consciência de que o homem é, por vezes, maior do que si mesmo. E que nada no mundo, ainda que volte ao tema inicial, repete o que foi proposto como tema para se transformar no tempo que contém. Quando, no fim, aquele tema torna não é para encerrar num círculo fechado uma odisseia em teclas, mas para colocar-nos ante a lucidez de que não há regresso após tanta invenção. Nem a música, nem nós, somos os mesmos já. Não porque o tempo passe ou porque a cúpula se erga, para sempre, entre nós e nós próprios. Não. Mas sim porque o virtual de um pensamento, se tornou ali uma evidência: se tornou concreto. Um concreto de coisas exteriores – e o espanto é esse – igual ao que de abstracto têm as interiores que o sejam. Será que alguma vez, senão aqui, aconteceu tamanha suspensão da realidade a ponto de real e virtual serem idênticos, e de nós não sermos mais o quem ouve, mas quem é? A ponto de nós termos sido música somente?
Jorge de Sena, Bach: Variações Goldberg
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TD124 Membro AAP
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Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 23 2022, 09:55
astra escreveu:
...Será que alguma vez, senão aqui, aconteceu tamanha suspensão da realidade a ponto de real e virtual serem idênticos, e de nós não sermos mais o quem ouve, mas quem é? A ponto de nós termos sido música somente?...
Um belissimo texto e uma das mais extraordinarias execuções dessa obra... parabens pela compra
PS: Escute a versão do Pierre Hentai de 2003 e poderà ser a porta aberta para o paraiso
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Alexandre Vieira Membro AAP
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Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 23 2022, 13:13
TD124 escreveu:
astra escreveu:
...Será que alguma vez, senão aqui, aconteceu tamanha suspensão da realidade a ponto de real e virtual serem idênticos, e de nós não sermos mais o quem ouve, mas quem é? A ponto de nós termos sido música somente?...
Um belissimo texto e uma das mais extraordinarias execuções dessa obra... parabens pela compra
PS: Escute a versão do Pierre Hentai de 2003 e poderà ser a porta aberta para o paraiso
Um disco fantástico! Mas faz uns tempos Paulo pensei que não eras adepto (embora aqui Bach seja a inspiração e não uma reprodução exata da obra dele) de ouvir Bach tocado em piano. Que era desvirtuar a obra....
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Alexandre Vieira Membro AAP
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Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 23 2022, 13:22
São achados como este que me fazem gostar de para além de adorar o vinil, de o coleccionar. Duplo single bastante raro editado 1954 pela Decca - EUA
TD124 Membro AAP
Mensagens : 8270 Data de inscrição : 07/07/2010 Idade : 59 Localização : França
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 23 2022, 18:04
Alexandre Vieira escreveu:
...Um disco fantástico! Mas faz uns tempos Paulo pensei que não eras adepto (embora aqui Bach seja a inspiração e não uma reprodução exata da obra dele) de ouvir Bach tocado em piano. Que era desvirtuar a obra....
Eu tenho as duas versões do Glenn Gould e tens razão, durante muito tempo tive uma relação de atração repulsão no que diz respeito à sua interpretação... um sentimento intimo e difuso que esta obra tocada pelo piano no lugar do cravo era uma heresia, quase um pecado! Hoje estou muito mais nuanceado e mesmo se prefiro o Pierre Hentai (cravo), hà algo de luminoso e profundo na execução do Gould então respeito perfeitamente a obra e aprendi a aprecià-la tanto no resultado que na intenção...
Hà coisas que levam tempo a compreender e a assimilar... esta obra é uma delas nmho
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Alexandre Vieira Membro AAP
Mensagens : 8560 Data de inscrição : 11/01/2013 Idade : 54 Localização : The Other Band
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 23 2022, 19:07
TD124 escreveu:
Alexandre Vieira escreveu:
...Um disco fantástico! Mas faz uns tempos Paulo pensei que não eras adepto (embora aqui Bach seja a inspiração e não uma reprodução exata da obra dele) de ouvir Bach tocado em piano. Que era desvirtuar a obra....
Eu tenho as duas versões do Glenn Gould e tens razão, durante muito tempo tive uma relação de atração repulsão no que diz respeito à sua interpretação... um sentimento intimo e difuso que esta obra tocada pelo piano no lugar do cravo era uma heresia, quase um pecado! Hoje estou muito mais nuanceado e mesmo se prefiro o Pierre Hentai (cravo), hà algo de luminoso e profundo na execução do Gould então respeito perfeitamente a obra e aprendi a aprecià-la tanto no resultado que na intenção...
Hà coisas que levam tempo a compreender e a assimilar... esta obra é uma delas nmho
Ele de facto inspirava-se em Bach mas o cinco pessoal deste Canadiano levou actualizou tão bem a obra de Bach transformando o bom em algo épico.
TD124 Membro AAP
Mensagens : 8270 Data de inscrição : 07/07/2010 Idade : 59 Localização : França
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Ter Jan 25 2022, 13:10
Alexandre Vieira escreveu:
The Danse Society – Heaven Is Waiting - 1984.
Lembro-me de ter uma cassete gravada com este álbum. Fazia as delicias no prédio!
Chegou-me hoje esta edição japonesa muito bem prensada. O cover dos Roling Stones é magnífico.
E qual é a relação com as Variações Goldberg do Bach
Alexandre Vieira Membro AAP
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Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Ter Jan 25 2022, 13:35
TD124 escreveu:
Alexandre Vieira escreveu:
The Danse Society – Heaven Is Waiting - 1984.
Lembro-me de ter uma cassete gravada com este álbum. Fazia as delicias no prédio!
Chegou-me hoje esta edição japonesa muito bem prensada. O cover dos Roling Stones é magnífico.
E qual é a relação com as Variações Goldberg do Bach
Nenhuma! topico errado!
Zé Carlos Membro AAP
Mensagens : 84 Data de inscrição : 10/12/2021
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Sex Jan 28 2022, 11:54
Alexandre Vieira escreveu:
TD124 escreveu:
Alexandre Vieira escreveu:
...Um disco fantástico! Mas faz uns tempos Paulo pensei que não eras adepto (embora aqui Bach seja a inspiração e não uma reprodução exata da obra dele) de ouvir Bach tocado em piano. Que era desvirtuar a obra....
Eu tenho as duas versões do Glenn Gould e tens razão, durante muito tempo tive uma relação de atração repulsão no que diz respeito à sua interpretação... um sentimento intimo e difuso que esta obra tocada pelo piano no lugar do cravo era uma heresia, quase um pecado! Hoje estou muito mais nuanceado e mesmo se prefiro o Pierre Hentai (cravo), hà algo de luminoso e profundo na execução do Gould então respeito perfeitamente a obra e aprendi a aprecià-la tanto no resultado que na intenção...
Hà coisas que levam tempo a compreender e a assimilar... esta obra é uma delas nmho
Ele de facto inspirava-se em Bach mas o cinco pessoal deste Canadiano levou actualizou tão bem a obra de Bach transformando o bom em algo épico.
Se não fosse Gould quase ninguém ouviria Bach como hoje se escuta. Como escutei num vídeo um músico russo dizer a propósito da deslocação de Bach à URSS em 1957, até pelos músicos Bach era considerado um génio mas aborrecido também.
Gould e as suas interpretações das transcrições de Bach ( porque Bach nunca escreveu para piano) não apenas modernizaram Bach como o "intemporalizaram". E até o interesse pelas versões de cravo resultaram do sucesso tremendo da interpretação que Gould fez das Variações ( quase todas bem posteriores á primeira versão de piano )
Já agora, falando por mim, se hoje ouço Bach com a regularidade que ouço devo-o a Glenn Gould. Quem realmente me fez ver que Bach foi provavelmente o maior compositor da história foi esse canadiano que foi dos poucos pianistas e intérpretes a quem a palavra génio pode ser aplicada.
Fernando Salvado gosta desta mensagem
TD124 Membro AAP
Mensagens : 8270 Data de inscrição : 07/07/2010 Idade : 59 Localização : França
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Sex Jan 28 2022, 13:38
Zé Carlos escreveu:
... Já agora, falando por mim, se hoje ouço Bach com a regularidade que ouço devo-o a Glenn Gould. Quem realmente me fez ver que Bach foi provavelmente o maior compositor da história foi esse canadiano que foi dos poucos pianistas e intérpretes a quem a palavra génio pode ser aplicada.
Sou de uma outra geração quiçà!... se escuto Bach com grande frequência devo-o ao Nikolaus Harnoncourt que cria em 1953 o Concentus Musicus e revoluciona a maneira de interpretar a musica barroca! Como ele diz no "Dialogo Musical": "O Johann Sebastian Bach levou o princípio barroco do “discurso musical” à mais alta perfeição. Enquanto as suas habilidades e interesses cobriam todas as áreas concebíveis da criação musical, a retórica foi um dos pontos centrais na construção de todas as suas obras. Bach construiu conscientemente as suas obras de acordo com a arte da retórica, e o “discurso sonoro” era para ele a única forma de música..."
PS: Não acho a musica do Bach chata... mas por vezes ela oscila entre o divino e o intelectual, isso é chato
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Fernando Salvado Membro AAP
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Assunto: Bach- Variações Goldberg Dom Jan 30 2022, 00:59
Tenho por hábito, seguir as sugestões de audição que aparecem neste ou noutros temas.Gostei particularmente das intervenções do Alexandre Vieira, do Paulo ( TD 124) e do Zé Carlos sobre as Variações Goldberg e decidi ouvir de novo essa obra. Escolhi as versões de Blandine Verlet no cravo e de Ito Ema no piano... e aqui começou uma enorme arrelia, dado que o disco da Blandine Verlet...estava " em parte incerta" e por mais voltas que desse, não o encontrei. Ouvir a Ito Ema não foi de grande conforto porque não me conseguia alhear do disco em falta. Ainda assim, decidi partilhar esta triste experiência por uma boa razão: Esta editora, "m.a Recordings" é das poucas que tem simultaneamente alguma consideração pelo melómano e pelo audiófilo que há em nos todos. Na realidade, não só refere o compositor e o intérprete, como...o que é raro...indica o piano em que a obra é interpretada, o local e a data da gravação, os equipamentos usados na gravação e o nome dos técnicos que fizeram o trabalho !!! Isto é uma exceção e deveria ser a regra. Cabe-nos a nós pressionar as editoras nesse sentido. Um "mail", é rápido...e barato...Talvez não surta efeito a curto prazo mas...
TD124 Membro AAP
Mensagens : 8270 Data de inscrição : 07/07/2010 Idade : 59 Localização : França
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 30 2022, 09:37
Fernando Salvado escreveu:
... Esta editora, "m.a Recordings" é das poucas que tem simultaneamente alguma consideração pelo melómano e pelo audiófilo que há em nos todos. Na realidade, não só refere o compositor e o intérprete, como...o que é raro...indica o piano em que a obra é interpretada, o local e a data da gravação, os equipamentos usados na gravação e o nome dos técnicos que fizeram o trabalho !!! Isto é uma exceção e deveria ser a regra...
No Barroco, pelo menos nos grandes editores (Harmonia Mundi, Accord, Erato, Oiseau Lyre, Teldec...) é comum ter o fabricante dos intrumentos, data de fabricação e anotação se é copia ou original assim que alguns elementos sobre a gravação... e muito raramente estamos à frente de uma mà gravação, isto do que conheço! Sublinho como excepção a magnifica execução do Requiem do Mozart pelo Nikolaus Harnoncourt que vém de sair em vinil e que é uma vergonha tanto na prensagem quanto na masterisação, coisa rarissima nos vinilos de classica pelo passado e ainda mais numa grande editora (Teldec)... torna-se ainda mais inadmissivel sabendo que a gravação original é excelente. Os amantes de classica deixaram de amar o vinil e hoje o mundo do vinil deixou de amar os amadores de classica...
Isto para dizer que não conheço nenhuma editora de discos que goste de nòs amigo Fernando... eles fazém o dinheiro deles com o nosso e é tudo! Mesmo aqueles que pareçem nos respeitar hà sempre algo ou um detalhe que desmente a benevolência da intenção nmho...
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galvaorod Membro AAP
Mensagens : 1155 Data de inscrição : 14/04/2017
Assunto: Re: Bach: Variações Goldberg Dom Jan 30 2022, 09:50
TD124 escreveu:
Alexandre Vieira escreveu:
The Danse Society – Heaven Is Waiting - 1984.
Lembro-me de ter uma cassete gravada com este álbum. Fazia as delicias no prédio!
Chegou-me hoje esta edição japonesa muito bem prensada. O cover dos Roling Stones é magnífico.
E qual é a relação com as Variações Goldberg do Bach
É pena não conter a faixa Danse Move (new version), seria um álbum ainda mais perfeito.