As sete maravilhas do analogico !!!

O Jean Constant Verdier (pai do célebre gira discos VERDIER) me perdoara de lhe ter roubado para este titulo, a expressao que ele utilisou em 1980 num artigo da revista l’Audiophile consagrado ao TD124. « La reine des platines » quer dizer simplesmente a Rainha dos gira-discos (um gira é feminino em françês). Aproveito para dizer que no meio dos especialistas, colecionadores e designer’s, ninguém trata este gira pelo nome da marca mas pelo seu apelido, pois nao foi a Thorens que fez o TD124, foi o TD124 que fez a celebridade da Thorens no mundo do audio, està dito !!!, vamos poder continuar a historia deste aparelho insolito. Deitado no alto do seu suporte Ortofon desde 1957, o velho sabio TD124 olha melancolicamente a historia do audio passar à frente dele. Este aparelho vive a solidão dos deuses, a infinita nostalgia que aconchega os aparelhos que estao sozinhos no frio do cosmos aonde brilhao as estrelas. Vamos là ver juntos o que leva um homem a escrever assim, falando de uma simples maquina que faz rodar vinilos.
A historia que circula no meio dos colecionadores na suiça ( é talvez um mito mas é bonito…) conta que numa noite de 1956 o Louis Thevenaz (o pai do TD124 e director da pesquisa na Thorens), vai ver o director da Thorens na casa deste ultimo com uma garrafa de Pétrus ( um dos maiores vinhos de Bordéus), e conta-lhe que jà faz varios anos que ele estuda em casa um gira discos que serà superior em tudo à Garrard 301 e à EMT 930 que nessa época eram as maiores màquinas, explica-lhe que desenhou esse aparelho por paixão e pelo prazer de deixar um testemunho da sua passagem em terra. O director fica tão tocado e entusiasmado que assina desde essa noite a autorizaçao para lançar o projecto. Estes dois homens nesse dia não sabiam que estavao a dar nasçensa ao maior, e mais influente gira discos da historia do audio.

Mas o que é que o TD124 tém a mais que os outros ? TUDO simplesmente !!! e vou-me explicar. O TD124 nasceu com um passaporte suiço na pequena comuna de St Croix, que é na região dos Alpes de lingua françesa. E uma zona célebre pela relojoaria de topo de gama, a melhor do mundo e é este patrimonio genético que o gira vai herdar. O TD124 vai romper com todos os conceptos de gira que sejam técnicos, filosoficos ou industriais pois na realidade conceptualmente ele nao é um gira discos, e faz pensar sobretudo a um cronometro de precisao que mede o tempo à velocidade de 33rpm !!! Este aparelho nasceu para matar toda a concurrência e vém de série com o armamento mais potente que se possa imaginar. O mais conhecido é o seu sistema de tracçao por roda mas a dois andares desmultiplicados ligados por uma correia. Este sistema mixto unico e jamais copiado é suficiente para fazer dele um monstro de eficacidade. Efectivamente esta astucia do Thorens diminui os solavancos de movimento do motor, filtra as vibrações deste ultimo, permite-lhe de ser mais pequeno e menos potente o que gera ainda menos de vibrações e maior regularidade de movimento, e tudo isto sao técnicas de relojoaria. Mas ele é muito mais do que esta astucia, pois o seu eixo de grande diâmetro e longo (para assegurar a « sagrada » rigidez corpo/prato) que repousa numa bola de volfrâmio ao fundo da chumaçeira para diminuir a fricção é de uma qualidade de fabricação inigualada. O eixo em aço endurecido varias vezes e torneado por etapas intermediarias à mão, atinge uma regularidade de alguns micrões no grao de superficie, e é como um espelho à nascença, e continua praticamente assim apos 50 anos, é uma obra de arte mecânica !!! Este eixo vai ser aparafusado num prato pesado (5,5Kg) em liga de aço/carbono/molibdéno e perfeitamente ajustado no equilibrio dinamico, e que nunca deverão ser separados sob pena de perder o ajuste preciso da fabrica. Este conjunto eixo/prato é talvez o segredo maior do TD124, pois anti-resonante e oferecendo um grão regular de superficie que permite à roda de agarrar melhor e de se desgastar menos. O motor do typo « buraco de esquilo » a dois polos é equilibrado dinamicamente e com as mesmas tolerâncias que as outras péças do gira. Mas sao as possibilidades de funcionamento e os detalhos que sao estupendos e que vão definir para a eternidade os parâmetros de um gira de topo de gama. O TD124 possede um sub-prato em aluminio que permite de travar e arrancar imediatamente o disco sem que o prato principal pare de rodar, uma bolha incorporada ao corpo permite de controlar a horizontalidade do aparelho, um travão mecanico/magnético muito preciso ajusta a velocidade de rotação do prato que pode ser controlada pela janela do estroboscopio incorporado, quatro discos em aluminio permitém de afinar a horizontalidade e cada um é descoplado do suporte pelos cogumelos (mushrooms) em borracha que servem de suspensão e baixão o rumble da màquina e enfim todas as velocidades do vinilo são disponiveis, ou seja, 78, 45, 33, 16 rpm. Ultimo detalho, mas é de sonho, o suporte de braço fixado por três parafusos permite de mudar de braço e de montar qualquer um que seja de 9 ou 12 polegadas, um luxo unico, e tudo isto ém 1957, estão a compreender porquê ele é o maior de sempre ? O TD 124 nasceu sem braço, e o unico braço da Thorens que o equipava não era, em nada, do nivel do aparelho, mas rapidamente a Thorens armou-o do 9 polegadas Ortofon e do suporte dito Ortofon em forma de saia, e assim equipado ele reinou sem partilha, durante mais de dez anos até ao momento que a EMT o matou, por cobiça, ciume ou outra razão, mas que nunca se saberà. O TD124 teve um upgrade em 1966, quando a EMT/Thorens casaram, que é o MKII com um prato não magnético em Zamac, com uma cor cinzenta pàlida e botões de controlo com um desenho mais moderno. O MKII tém uma sonoridade mais clara, mais moderna do que o MKI, mas para todos os especialistas o unico verdadeiro TD124 é o MKI com prato em aço. Muito haveria a dizer ainda sobre este aparelho, como a forma do corpo em liga de aluminio que lhe dà uma rigidez unica, o adaptador para os discos 45rpm que é escamotàvel e a fabricação obcessional de todas as peças que o compõem.

Graças a tudo o que venho de escrever voçês estão a compreender que o Tourne Disque 124 nasceu como um objecto visionario e muito avançado para a sua época, mesmo hoje. Ele é o pai conceptual dos giras modernos e o imperador absoluto dos giras a roda de tracçao “wheel drive”.
Um aparelho imenso e imaculado como a neve do Mont Blanc que o viu nascer...

Estamos em meados dos anos setenta no Japão. Já faz mais de dez anos que uma revolução silenciosa abalou este pais. Um grupo de amadores de áudio, em colaboração com uma revista japonesa a « Radio MJ », vão re-inventar a evolução do mundo do áudio até aos dias de hoje. Esses homens vão duvidar da evolução da industria do áudio dessa época, que eles consideram como se afastando da musica. Juntos, vão fazer vários aparelhos inspirados pelos aparelhos americanos pioneiros, mas utilizando os melhores componentes dessa época e sobretudo muita, muita sensibilidade na afinagem desses mesmos aparelhos. O resultado é magico, e isto será a faisca de uma nova era do áudio. Com estes homens a alta fidelidade deixa de ser uma disciplina somente de engenheiros, para se tornar numa « arte técnica ». A lógica sozinha já não chega, é necessário muita sensibilidade, honestidade e fineza para fazer aparelhos dignos de reproduzir a alma da musica. A escola japonesa vem de ser criada, e com ela a audiofilia e os primeiros audiofilos conscientes da historia !

E neste contexto historicamente extraordinário, que na cidade de Kyoto (a cidade dos mil templos), o Sr Sugano vai criar a sua pequena empresa de fabricação de células, a Koetsu. Este homem teve uma vida cheia pois foi, campeão de boxe, artista pintor e sobretudo mestre « Kataneiro ». Ele era um dos últimos mestres (profissão transmitida de pai a filho), capazes de fabricar segundo a tradição, os míticos e místicos sabres japoneses, os « Katanas », a arma legendaria dos Samurais. Este conhecimento profundo dos metais e da alquimia da forja, vai ser fundamental na fabricação das células Koetsu. O Sr Sugano era amigo do director da Supex (M. Asakura) e os primeiros modelos vão ser modificações destas células. Em primeiro lugar o Sr Sugano vai se interessar ao som dos diferentes tipos de madeira para constituir o corpo, pois este material tem ressonâncias difusas, mais belas a ouvir. Ele foi o primeiro a pensar que o corpo da célula tem um som, e que a fixação solida desta peça no braço, cria certos problemas, e que para serem eliminados, o corpo da célula deve ser feito com materiais neutros à escuta. Após vários ensaios de diferentes tipos de madeira, constatou que o pau de rosa (Rosewood) foi o que lhe deu melhores resultados, e tão bons que a Supex vai mesmo produzir com licença dele uma série de células com o corpo em Rosewood, as Supex / Koetsu. Mesmo se as primeiras Koetsu e as Supex/Koetsu parecem idênticas esteticamente, tudo é diferente no interior. Uma Koetsu não é que um corpo em madeira, tudo é original e extraordinário nesta célula. Graças ao seu conhecimento dos metais, e consciente da importância fundamental do estilete no resultado de escuta, o Sr Sugano vai fazer esta peça em vários metais como o titânio, o boro, o berilio e o alumínio em liga. A partir de 1977 só o boro é utilizado e ele construiu de propósito moldes para os fabricar, devido à dificuldade de trabalho e de moldagem deste metal. Dois anos após isto, quase todas as marcas japonesas equipavam os melhores modelos deles com estiletes em boro !. A Koetsu foi também a primeira marca a dar importância ao profilo e ao degrau de polido do diamante. O Sr Sugano vai encomendar à Nagaoka (firma especializada no corte e polido de diamantes, e nos dias de hoje conhecida pelas belas células MM), diamantes com um nivel de polido muito elevado. A maior parte dos diamantes das células quando são vistos ao microscopio apresentam uma superfície rugosa e áspera, ora que um diamante de uma « verdadeira » Koetsu é quase liso em comparação, e só isto jà vai fazer uma grande diferença à escuta. Se a nossa analise da célula Koetsu acabasse aqui, já seria suficiente para que ela fosse uma grande maravilha do analogico, mas a Koetsu é muito mais do que isto, ela é um verdadeiro mito, e vamos então continuar a compreender juntos a razão do porquê. O Sr Sugano era um artista e um esteta, então era inconcebível para um homem assim de conservar as peças internas como as bases de apoio, as peças polares, os entre-ferros e os suportes de bobina tal qual elas vinham da fabrica. Cada peça era lixada e polida com fineza por ele e a tal ponto que cada peça de uma Koetsu original analisada à lupa não apresenta nenhuma asperidade ou rugosidade de superficie, e isto é algo de único até aos dias de hoje, e qualquer que seja o nível da célula analisada. Este homem ia até ao fim das coisas, era um verdadeiro Mestre !!!. Deixo o melhor para o fim pois isto será a cereja em cima do bolo. A Koetsu vai ser também a primeira marca ao mundo a se interessar à qualidade e ao som dos ímanes internos que permitem às bobinas de produzir a corrente elétrica, ou seja, a nossa querida musica. O Sr Sugano vai ser o primeiro a utilizar ímanes do tipo Samario/Cobalto (muito caros nessa época e ainda hoje) muito pequenos e muito potentes afim de aliviar o peso da célula e aumentar a qualidade de reprodução dos micro sulcos mais pequenos. Mais tarde ele vai passar aos ímanes do tipo Alnico (uma liga de alumínio, níquel e cobalto) ainda mais potentes e mais pequenos, e uma vez mais, a Koetsu vai ser copiada pelos outros…
Tudo o que venho de dizer é grande, espetacular, delicado e visionário, mas…, o grande segredo das Koetsu está talvez noutro lugar, num sitio que so é acessível aos que avançam com o coração. Tudo pode ser copiado numa Koetsu, menos uma coisa, e isto é perturbador para um ocidental. O Mestre Sugano era Shindoista (uma religião filosófica japonesa), e então acreditava na força vital que o homem pode comunicar às coisas. Segundo a tradição, se um homem realiza um objecto com honestidade, humildade, sentido da elevação e no respeito da natureza, uma parte da energia vital humana vai passar ao objecto e vice-versa. Esta energia chamada « Chi », é para os Shindoistas o elemento que transforma a matéria em objecto de arte, que lhe dà vida, existência e lhe permite de atingir a eternidade, uma filosofia partilhada pelos nossos alquimistas da antiguidade…
O que venho de dizer talvez não passe de uma bela historia, pois os mitos estão sempre rodeados por lendas, mas a realidade é que até aos dias de hoje, praticamente, nenhuma outra célula atingiu a sonoridade e a fineza perturbadora das Koetsu do Sugano.
Hoje muitas empresas se reclamam de herdeiras da filosofia do Sugano, até parece que há células Koetsu que continuam a ser feitas. Isto em contrapartida, são lendas modernas !. A Koetsu so teve um pai e um fabricante, que foi o Sr Sugano. A Koetsu nunca foi uma marca industrial de células, mas a marca de um alfaiate sobre medida, ou de um grande costureiro de células que produzia uma todos os três dias até ao dia que, por causa desse trabalho, ficou quase cego. Não há varias células Koetsu, o que existe são as (à volta de mil) células, que o Sr Sugano deixou nesta terra para elevar a humanidade...

A Koetsu que quer dizer em japonês « a luz alegre » continua a brilhar no firmamento dos produtos únicos. Esta estrela, pela sonoridade e pela filosofia de construção, continuará a dar calor e luz a todos para quem, a alta fidelidade é mais do que uma disciplina técnica, mas sobretudo um potente revelador da alma humana…