Ontem passei a manhã indeciso entre ir o audio-xô de Santo Amaro e ou a um recital de violoncelo e piano onde a estrela era
none other than um Stradivarius que foi pertença D. Luís (1838-1889), Rei de Portugal.
Segundo o folheto-programa, este instrumento foi comprado em França por 20.000 Francos de então e era tocado por Sua Majestade nos serões musicais da família Real, acompanhado ao piano por sua mãe D. Maria II e à voz por El-Rei D. Fernando.
Em 1937 foi cedido por decreto ao Conservatório Nacional que o remeteu para as caves do Convento de Mafra onde esteve sujeito a humidade, ratos e ao malfadado "caruncho"...de repente isto lembra-me a história de um valioso apartamento esquecido em Manhattan.
Bem o que importa é que, apesar das marcas deixadas pela negligência de alguns irresponsáveis ainda visíveis após o restauro, o instrumento de 1725 ainda soa divinalmente com uma riqueza harmónica que nos comove as mais profundas entranhas...convém no entanto mencionar que o violoncelo é o meu instrumento de eleição e que a minha opinião não é totalmente desprovida de subjectividade.
Já não escutava um violoncelo tão perto há uma dezena de anos (Wispelwey, Festa da Música) e tinha-me esquecido da ressonância enfeiticante que aquela caixa de paredes é capaz de produzir ou que podia descer tão baixo na escala - em concerto o instrumento parece soar mais frágil e comedido - e mais uma vez constatei que a maioria das gravações acentua os agudos de forma artificial.
Beethoven feat. Stradivari
Passemos ao repertório: no primeiro dia o recital começou com a Sonata em Fá Maior Op. 5, N. 1, tendo-se seguido 12 Variações sobre um tema da Oratória
Judas Macabeus de Händel em Sol Maior, 7 Variações sobre o tema
Bei Männern, welche Liebe fühlen da Ópera
A Flauta Mágica de Mozart em Mi bemol Maior e a fechar a Sonata em Lá Maior, Op. 69.
Os instrumentistas eram o Rui Borralhino ao violoncelo e Christoph Berner ao piano, se não estou em erro o instrumento pessoal do Compositor Luís de Freitas Branco (1890-1955), e gostei muito da interpretação de ambos, embora parecesse aos meus ouvidos incultos que o Austríaco por vezes tinha umas mãos "pesadas" (seria do piano?)...de qualquer modo, concerto é concerto.
As minhas referências auditivas são o Rostropovich para as Sonatas (EMI) e o Wispelwey para as Variações (Channel Classics) e devo dizer que fiquei verdadeiramente surpreendido com a expressividade do Rui Borralhino, cuja técnica me pareceu acima de qualquer reparo, um pouco suave nas Sonatas mas bastante cativante nas Variações.
Última nota para o espaço: quem é que se iria lembrar de fazer um Museu da Música, cujo suporte existencial é o silêncio, numa estação de Metropolitano?
Mais uma prova de que vivemos num país de doidos...
É óbvio que a chegada dos comboio à estação produz imenso ruído, pior do que aquele que se escutava nas salas do Cinema Quarteto, de tal forma perturbador que me perguntei várias vezes para que raio estariam eles a gravar o espectáculo.
Além do mais o espaço do museu não reúne as condições acústicas (o pé direito é mais baixo do que o da minha casa) nem de conforto (cadeiras dobráveis, muito ruidosas) necessárias a um evento deste género...
Apesar de tudo gostei bastante, acho que a opção por não ir ao xô foi acertada, mas infelizmente não sei se estarei em condições de escutar a segunda parte esta tarde pois penso que estou a "chocar" uma gripe.
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