Ghost

Ordena a sinceridade e a transparência que escreva o seguinte: eu não sou nada favorável a apresentações em fóruns na Web. Não que para mim sejam sinónimo de invasão de privacidade, mas não dou importância à descrição da composição dos sistemas, porque tal pode ser inventada ao sabor dos nossos anseios. Ora, a meu ver, o espaço cativo da Apresentação, poderá ser literalmente pervertido pela vontade infinita de gozo do membro que se “dá a conhecer”, mediante descrições pautadas por “converseta” de Pinóquio. Mas sendo benevolente em admitir que a maioria das apresentações não suscitam dúvidas, descrevo os meus passos nestas andanças para que fiquem a saber um pouco mais da personagem por detrás do pseudónimo, evocando a minha origem.

Quando o meu pai andava em águas territoriais da Irlanda, pensava que seria mais um sereno dia laboral… Mas, enquanto a barca respeitava o itinerário, o pai avistou uma mulher, supostamente vítima de naufrágio… Estranho! Ficou apreensivo, porque a “infortunada” estava só… Estranho! Quando a embarcação se aproximou, a criatura entoou uma melodia com tanta doçura… Estranho! Mas, quem seria aquela mulher, que em águas gélidas, surgida do nada, cantava e encantava? O comandante, apercebendo-se do que se tratava, alertou o meu progenitor das trapalhadas e dos sérios riscos que corriam se lhe desse atenção. O papá, recorrendo aos seus infindáveis conhecimentos de cultura geral e a toda a sua coragem para lidar com a estranha situação, fez uso dos seus dons, cantando melhor do que aquele ser aquático. Ela, caída na sua própria artimanha, rendeu-se aos encantos do homem. Apercebendo-se do volta-face da conjuntura do momento e despertado por ardente paixão, depois de convencer a primeira autoridade da embarcação, inseriu a jovem a bordo e, após travar uma extenuante batalha para aceitação da sua noiva junto da família e dos amigos, contraiu matrimónio com aquele ser que ostentava um vistoso torso de mulher, com cabelos compridos e bem tratados, e uma cauda de peixe da cintura para baixo. Consciente dos complexos embaraços e obstáculos que pudessem surgir se vivesse numa metrópole com a sua Sereia, o lisbonense de hábitos cautelosos, teve que fazer uma opção ponderada e infundida pelo gosto de viver tranquilamente o amor desenfreado com a jovem esposa, efectuando diligências para ser incluso no processo de selecção de candidatos a vigilante/zelador das Ilhas Desertas do primeiro dos descobrimentos portugueses no século XV – Região Autónoma da Madeira. Obtendo cotação destacada nas provas submetidas, foi colocado num planalto perdido no meio do Oceano Atlântico, que constitui o Ilhéu Chão, com 3700 m de perímetro, 1600 m de comprimento, 500 m de largura e 98 m de altitude, onde a colonização em massa não impossível, devido à ausência de água potável em quantidade.

Nesta ilhota de origem vulcânica, acorda-se ao som das águas cristalinas do mar e do chilrear das aves marinhas nidificantes (Alma-Negra, Andorinhão da Serra, Cagarra, Canário da Terra, Corre-Caminho, Gaivina, Gaivota de Patas Amarelas, Pintainho e Roquinho). Os aromas da flora recuperada desde os anos 80, aquando a extinção da vasta população de lebres, convidam a um passeio madrugador por entre a natureza em estado puro, exibindo uma paleta que dispõe tons amarelecidos e avermelhados, que em contraste com os tons escuros patentes nos filões de basalto, recorta o azul do céu e do mar no horizonte. O ponto alto da caminhada é atingido ao deparar com uma colónia constituída por 40 Lobos-marinhos – uma das espécies mais ameaçadas na lista de animais em vias de extinção no planeta. Em 1990, com o pretexto daquela população de mamíferos contar, apenas, com meia-dúzia de indivíduos, foi declarada Reserva Natural, restringindo-se as visitas provenientes de excursões comerciais, sob permissão concedida por uma licença especial e condicionada: proíbe mergulhar ou velejar na área da reserva. Decorridos dois anos, como reconhecimento do árduo e precioso trabalho de refúgio, protecção e preservação de espécies únicas e raras dos reinos da Natureza, o Conselho da Europa qualificou-a como Reserva Bio genética e a UNESCO, no final da década de 90, enobreceu-a a Património da Humanidade.

Nasci num ano bissexto, no ínfimo e intermitente dia do mês mais reduzido. Na conservatória do Registo Civil do Funchal, o meu pai optou pelo averbamento da data, mediante o pagamento de uma quantia considerável. Assim, evitou a celebração do meu aniversário de 4 em 4 anos ou no dia da véspera ou posterior. Por conseguinte, sendo filho de uma Sereia e vivendo num lugar único, relaxante e definitivamente anti-stress, considero-me criado num notavelmente peculiar seio familiar, onde os discos de vinilo e as emissões radiofónicas sempre ambientaram o dia-a-dia.

Acompanhando o pai desde a meninice, aos 16 anos passei a ser seu colega de trabalho. Desde então, comecei a investir em equipamento de alta-fidelidade, construindo um sistema que era como uma montanha-russa, visto que esta é a imagem perfeita para definir as agitadas mudanças submetidas no set-up.

Os últimos anos foram consideravelmente diferentes. Tudo mudou, quando, incluso numa comissão de formação sobre aves marinhas migratórias, fui a duas das 88 ilhas do Arquipélago dos Bijagós, ao largo da Guiné-Bissau. Aceitando o convite do biólogo formador escocês, que nos tempos de lazer na ilha do Poilão ouvia jazz num MPtretas (entenda-se: MP3), passei um Domingo na residência construída em madeira, situado num recanto da ilha de Orango, com o mínimo de condições, mas, na compensação, mui estimado pela população local que, inferência da sua gentileza, amabilidade e da demonstração do sentimento de que, tendo à duas décadas adoptado a aldeia como residência oficial, está totalmente bem consigo próprio, fazendo com que os indígenas estejam à vontade na companhia dele.

Esperava-me um tranquilíssimo dia de convívio… Ao entrar na habitação, escutava-se a epitética voz de Ella Fitzgerald (1918-1996). O volume nem sequer estava muito alto, e ainda assim, fiquei de ouvidos bem abertos, quase enfeitiçado pela voz que preenchia e figurava a sala. Então, o inesperado sucedeu-se: a sonoridade aparentemente provinda de um número infinito de colunas, hábil em desabrochar os subtis detalhes envoltos num novelo e em fazer planar os instrumentistas com exactas aparições no espaço, provocou um profundo arrepio no Fantasma. Fiquei boquiaberto quando avistei a instalação de som. Arregalei os olhos, e aproximei-me sem conseguir ocultar a minha curiosidade.
- O que é isto?
- É uma Sunny-Vox.
- Sunny-Vox? Nunca eu tinha ouvido falar em tal coisa. O anfitrião, explicou vagamente que se tratava de uma mala dos anos 70, melhorada com modificações cirúrgicas.

De manhã até à noite, lá esteve a malita a dar música. Apreciei a beleza invulgar no modo de emitir as obras. Então, ao fim da tarde, conversámos sobre hi-fi, tendo lhe prestado a máxima atenção quando enunciou o percurso que fizera em equipamentos, cujos valores perfazem uma soma faraónica. Depois, ouvi os sábios conselhos contidos na narração minuciosa do desvendamento do enigma, referente às alterações efectuadas na invejável mala.

De regresso ao Ilhéu Chão, os dias seguintes foram de tormento ao ouvir o meu sistema. Dei por mim a concluir o que ninguém se atreve: aquela aparelhagem, avaliada em 4 000 000$00, não passava de uma miragem do que tinha ouvido nos Bijagós. De facto, nada me afectou tanto como a Sunny-Vox. Passei a ter saudade e a estar órfão da sonoridade que conservava na minha memória auditiva. Para mim não havia dúvida: eu queria ter algo assim…

Os seis meses seguintes foram… como dizer… para acabar uma relação de longa data com equipamento dispendioso. Cento e vinte dias foi o tempo necessário para adquirir uma mala em bom estado de saúde, a qual enderecei para o bloco operatório dum atelier, situado na capital do Império, onde, segundo as directivas do biologista, se procedeu a alterações enigmáticas.

Para propalar o enigma, será justo da minha parte dar-lhe algumas pistas. Comecemos pelas colunas. As unidades de origem foram substituídas por outras da Focal, ligadas com cabos de tipologia unifilar (cujo espaço de separação do isolamento interno ao isolamento externo, é revestido por liquido amniótico). O braço que apetrechava o gira-bolachas foi trocado por um exemplar SME Séries III e adornado por uma Shure V15 Type IV. A amplificação foi decomposta para reconstrução e o leitor/gravador de cassetes foi removido para dar lugar a um Minidisc GoldStar MD-R1. Ah… e através da entrada Auxiliar, adicionei um leitor de discos de formato Corpo Delgado (CD).

Após o período de convalescença da malita, ao recebê-la, senti uma vontade infinita de ouvir a minha discoteca. Recordo que já se fazia tarde quando conclui o dia de trabalho. Ainda assim, ao sabor dos meus apetites musicais, tal déjeuner à la carte, peguei nuns disquitos, e rejubilando com a minha escolha, pois estava convicto de que tinha encontrado a paz auditiva a ponto de afirmar que a minha busca incessante por equipamento melhor, terminara naquele momento, prolonguei as audições até ao sol anunciar a sua inclemência no horizonte.

Pontualmente, desloco-me ao Continente a nível profissional, aquando um ou mais indivíduos de Lobos-marinhos, necessitam de estada assistencial para tratamentos e cuidados intensivos no Aquário Vasco da Gama, no Dafundo. Devo desvendar que, a habitação em terra firme portuguesa onde fico alojado, é arrendada pela tutela da Região Autónoma da Madeira. Essa residência, alugada com recheio, abarca um “respeitoso” sistema de som. Mas, como o bom senso impera, sendo o equipamento propriedade de um imigrante fixado no Luxemburgo, recuso expor a sua constituição e, ainda que a malita paute por servir interpretações à laia de gourmet, siderando modelos pesos pesados de marcas afamadas, declino a publicação de imagens, por reputar ser um atentado ao pudor das tradicionais fotografias de sistemas que proliferam em praças congéneres.

Finalmente, enquanto observador planante, sei que a audiófila é feita de diacronia e de personagens com visão cartesiana e cristalizada, que defendem a torto e a direito a audição no formato analógico em detrimento do digital e vice-versa (fruto da mistura de conceitos: sentido critico/gosto pessoal). Mas deixando-me de evasivas! Elucido que não defendo com afinco nenhum formato, porque, aprazivelmente, tanto ouço música no gira-bolachas, quer em Corpo Delgado, quer no MPtretas ou no formato Bolo-Rei (Blu-ray). Também confesso que desgosto de andar de casa-em-casa a bisbilhotar os sistemas dos foristas ou de participar em almoçaradas onde o mote das conversas são aparelhos, cabos e nada mais.

E pronto… Deixei alguns sinais do meu percurso, contado com exactidão. Minha passagem pela alta-fidelidade se fez igual a muitos outros e tão desigual como uma diminuta minoria…

Felicito as cabeças pensantes que idealizaram este espaço, desejando franca expansão.

Bem vindo amigo Pedro. Gosto em especial da parte final do teu texto que diz, "… Deixei alguns sinais do meu percurso, contado com exactidão" )__((:

sim senhores,já cá faltava esta averara

Bem vindo aos mares da Taprobana,e bons ventos te guiem nestas águas!!

Olá! Mestre fantasma! Bons olhos o vejam!...
Não tenho tempo para ler o testamento agora, mas hei-de ler!

Bem-vindo!

Bem-vindo Ghost4u.
Saudações!

Ora então seja bem vindo.

Bêm Vindo zzZZZZZZZZZZZZ !!!!

Bem-vindo ao AAP,

Casper

Seja o muito bem vindo e obrigado pelo texto.

Até+

Finalmente fico a conhecer o Ghost4u... de forma mais ou menos exacta...

Cumprimentos para as Ilhas Desertas.. que mais parecem um paraíso..

longplay escreveu:

Finalmente fico a conhecer o Ghost4u... de forma mais ou menos exacta...

Cumprimentos para as Ilhas Desertas.. que mais parecem um paraíso..

Esse teu novo avatar é mesmo......

António José da Silva escreveu:

Esse teu novo avatar é mesmo......

Isso fica-te mesmo mal, mete essa língua para dentro... coisa feia a cobiça...

(mas assume: é bem bonito! Até pode não tocar nada... )

longplay escreveu:

coisa feia a cobiça...

Eu admito que a cobiça é uma coisa feia e que estou cheio dela. Mas não consigo evitar. É mais forte do que eu.

E sim, é lindo, mecanicamente, esteticamente....

António José da Silva escreveu:

E sim, é lindo, mecanicamente, esteticamente....

Já estamos a desgraçar mais um tópico.. está a tornar-se hábito... Em troca de umas bolachas pretas eu deixo ouvir e olhar para o revox...
Mas tocar nele, nem pensar! É velhinho pode desintegrar-se...

Amigo Ghost...

Fico feliz por te ver por estas paragens

aquele abraço

Rui Sousa

RuiSousa escreveu:

Amigo Ghost...

Fico feliz por te ver por estas paragens

aquele abraço

Rui Sousa

Rui, não achas melhor mudares o teu avatar para "Save The CD"? É que por este andar, está mais em perigo de extinção do que o eterno vinil. )__((:

António José da Silva escreveu:

Rui, não achas melhor mudares o teu avatar para "Save The CD"? É que por este andar, está mais em perigo de extinção do que o eterno vinil. )__((:

Vou-me repetir um pouco... mas para que não hajam confusões, save da vinil das mas companhias em que tem andado, cd's e outras tretas que mais... tá?
Abraço

Rui Sousa

Ghost4u escreveu:

Entretanto, pergunto ao Rui se tem agendada uma vinda ao magnificente Ilhéu Chão?

Com melhores cumprimentos,
Ghost4u

Carissimo,

é só questão de agendar-mos a visita e tratar das respectivas passagens.
Claro que um visita ppor esses lados é sempre apreciada.

Abraço

Rui Sousa

PS: tens utilizado o material fantástico para tapetes?

Bom dia senhor Ghost4u,

Obrigado pela sua resposta e indicação para este tópico de apresentação.

Muito bom o texto. Por coincidência, a minha última semana de férias será passada na Madeira e já tinha programado com um amigo meu madeirense, que tem uma empresa ligada a barcos, uma visita às Desertas.
Meteu-se-me na cabeça recolher rochas basálticas para utilizar numas caixas de sub-graves que vou construir.
Pode ser que nos encontremos por lá ou no Funchal.

Cumprimentos,

JS