A rodar XL

Ouvir o What's Going On é como dançar no tecto da miséria e da desilusão ... tanto esta obra de uma fineza exemplar distila elegantemente uma critica social aterradora de lucidez. Através da ritmica perfeita e dos arranjos sumptuosos vislumbra-se neste canto elegante e inspirado um "gospel" desencantado e triste como demonstra a faixa Wholy Holy. Com empatia e mesmo ternura o Marvin Gaye dà-nos um panorama cheio de negrume e de exclusão e um verdadeiro manifesto politico ... aonde a população de cor norte-americana é a primeira victima. A capa aonde dignamente o artista olha para a frente na chuva diz muita coisa ... mas nenhuma àgua lavarà as nodoas incrustradas nesta obra suberba. Este disco insuflado pela graça, encontra o justo equilibrio entre a forma e o fundo e atinge assim a eternidade. Uma obra prima meditativa que transforma a censura em poésia e caricia ... e isto mereçe bem uma escuta atenta e mesmo uma dança com a nossa metade !!!...

È relativamente fàcil de sentir este "Nocturno impalpàvel" ... mas é muito mais dificil de o compreender. Por detràs das notas lentas e em suspensão é evidente a presença espiritual do Erik Satie ou do Claude Debussy aos quais o Sylvain Chauveau faz alusões harmonicas ... mas estas são alternadas com faixas cinematogràficas sém relação aparente. Se o clima do album é melancolico e sombrio é para melhor rasgar regularmente a aparente monotonia da beldade. Efectivamente esta obra é feita de musica que por vezes avizinha a transcendência e pode criar sentimentos embriagantes e inexplicàveis. Hipnotica, minimalista e sumptuosamente elegante esta musica obriga o auditor a açeitar a lentidão, o tempo que passa e o mistério da existência. O Chauveau busca com notas, extractos de filmes e colagens electronicas a maneira de cristalisar um "instante" que é sò seu e que queremos nosso, também! Aparentemente desorganisada pela alternância estilistica assim que pelos "ruidos parasitas" ... a obra toma uma coerência absoluta uma vez escutada até à ultima nota. Se algumas vezes o Chauveau pareçe buscar e mesmo atingir uma certa "Nota Azul" ... esta aqui não é a do Chopin ném a do Jazz ou do Blues. Um disco de uma beleza fulgurante que incandeia os sentidos ao ponto de esconder ... que esta obra contemplativa e surrealista, questiona sobre o desassossego interior e a (im)possivel paz!...

Fechar o ciclo artistico pelo começo mas com pertinência e inteligência é o privilégio dos grandes ... e grandes os REM são sém duvida. Amputados de um membro historico o trio diminuido em duo tira a reverência a uma carreira enorme da melhor das maneiras. Neste album eléctrico (electrisante mesmo...) o grupo sobrevoa o espaço sonoro, por eles mesmo criado desde o inicio dos anos 80. Quase todas as multiplas facetas artisticas do grupo são abordadas ou sugeridas ... sém esqueçer uma ou outra pérola unica, sém as quais um album dos REM não é digno desse nome. O epilogo do album (e do grupo!) é a faixa "Blue" com a Patti Smith e que por si sò mereçe de ser escutada. Numa alusão ousada e tocada num estilo "Post Rock" ... os REM introduzem a melodia do sumptuoso Country Feedback antes que a voz da Patti faça alusão a E-Bow the Letter e o album feche num caos alucinante de raiva assumida. È assim que os grandes saem do palco ... então uma vénia para os artistas !!!  

O quinteto elegiaco de Brooklyn atinge neste album o cimo da sua carreira nmho ... e demonstra brilhantemente toda a classe do seu universo claro/obscuro. A mudança de produção confiada à 4AD dà um suplemento de profundidade à musica e açentua o caràcter grave e melancolico da voz do Matt Berninger. Uma ritmica de bateria urgente e inventiva entrelaça-se em permanência com as melodias inspiradas ... dando a cada faixa um sentimento de lentidão apressada que subjuga e excita. Os arranjos são magnificos, cheios de fineza e de subtileza, criando um clima que evoca um universo entre os Joy Division pela melancolia e os Echo & the Bunnyman pelo romantismo. Os ilustres convidados (Sufjan Stevens, Bon Iver) são discrétos afim de não desiquilibrar a monumental coerência deste disco. O High Violet é um segredo bem guardado que mereçe ser descoberto ... e que mostra que a musica de hoje é tão evocadora e pertinente quanto a melhor do passado!...