Noa no Tivoli

        Constitui curiosidade natural saber o significado do nosso nome próprio. Para além disso, enquanto pais, no acto de escolher o nome do bebé que está para chegar, pretendemos saber o significado dos nomes a seleccionar. Damos preferência ao nome com significação positiva que nos torna parte da humanidade e sendo usado toda a vida, também nos torna um só ser. Desta singularidade, Achinoam Nini, neta de avós naturais do Iémen, que em fuga desse conturbado país árabe, se mudaram para Israel quando os seus pais nasceram, artisticamente optou pelo nome hebraico Noa, cujo significado é descanso ou repouso.

        A escolha do nome artístico revelou-se feliz, já que, tendo Noa a percepção que o tempo presente tem sofrido radicais transformações sociais, económicas e políticas que continuam a mudar o mundo, tornando-se um lugar dinamitado por reais ameaças perversas e bárbaras, fomentado por ideologias extremas e por totalitarismos, onde a raiva e a intolerância estão à flor da pele ferindo a humanidade, Noa, assumindo a necessidade de pedagogia social, num processo consciente e racional utilizado nos seus concertos, formula o objectivo de missionar sobre renovação moral e espiritual, assente no importante pilar da paz. Por esse motivo, no segundo sábado de Novembro, em Lisboa, iniciou a actuação com «Shalom», termo hebraico correspondente a paz.


       Até ao terceiro tema, «Mishaela», cantou acompanhada por Gil Dor, na guitarra. Depois, demonstrou os seus dotes na percussão, usufruindo do entusiástico público que, com palmas, acompanhou as mutações rítmicas de «Keren on». Entretanto, dirigiu a assistência constituída por cerca de sete centenas de vozes que entoou o refrão de «I don´t know».


       Aproveitando a presença de individualidades da política portuguesa assumidamente europeístas, mas que sem demonstrarem aptidão para redefinir as políticas comunitárias, recuperando a matriz da identidade europeia de forma a devolver aos seus cidadãos a esperança de que a existência da União Europeia ainda é válida, fez referência a Yitzhak Rabin, figura ímpar na governação de Israel, que na sua segunda passagem ao serviço da nação, entre 1992 e 1995, esforçou-se a favor da paz no Médio Oriente, mediante pacientes negociações com os palestinianos, celebrando um acordo de paz com a Palestina e com o rei Hussein da Jordânia, pondo termo a 46 anos de guerra. A este estadista que dá nome a uma rua da freguesia do Lumiar, assassinado em Tel Aviv no exercício do cargo, dedicou a canção «Little lovin´».


      Detentora de canto que por vezes leva o ouvinte a supor estar diante de voz celestial, dada a delicadeza interpretativa sentida em «Uri», a artista israelita, apreciadora de música clássica, jazz e de outros registos, aventurou-se no blues em «Keren or», deixando o auditório maravilhado. Também neste tema, Gil Dor, seu acompanhante à 28 anos, quer marcando o ritmo com a guitarra ou usando o conjunto de pedais para desenvolver uma criativa exploração do som do instrumento, onde noutro tema foi notória uma suave e orgânica sonoridade semelhante a sintetizador, numa coerente e sólida união interpretativa com a cantora e percussionista, ficou patente que certamente é um dos melhores guitarristas da actualidade.


      "O que mais aprecio na música são as palavras", afirma a sorridente, simpática e comunicativa Noa, confessando-se apaixonada pela nossa língua, a quinta à escala da aldeia global, falada por 260 milhões de pessoas. Por isso, no encore, presenteou a audiência do Tivoli, cantando «No teu poema» (letra e música de José Luís Tinoco, interpretado por Carlos do Carmo, no Festival da Canção de 1976). A primorosa prestação terminou com «Beautiful that way», alusão à película «A vida é bela», de Roberto Benigni.