UHF em Almada (reportagem, 2019)

        Sétima noite de Dezembro. Distingue-se a Lua em crescente. No período que decorre entre a noite de sexta-feira e a noite de domingo, gente sai das tocas, deambulando pela Rua Capitão Leitão, com destino à loja de discos (n.º 14-B) ou aos bares situados na zona antiga da cidade. Junto ao 64, grande número de pessoas se prepara para lotar a "emblemática, magna e nobre sala de Almada, que é ponto de partida e chegada dos UHF", refere António Manuel Ribeiro, que ao longo de 40 anos tem conduzido a bom porto este grupo, acrescentando que "para quem já não tem idade para nervosidade, regressar a casa provoca nervos, pois a responsabilidade é maior por ter tomado conhecimento que muitas pessoas vieram de fora".

        O público moldurado na Academia Almadense, consistia, maioritariamente, no conjunto de indivíduos que na época do espectáculo político do sistema económico/financeiro vivido no século passado, em que a banca emprestava dinheiro a rodos, crente em promessas, deu tudo por uma habitação, hipotecando a vida e permutando a felicidade por bens de consumo em excesso. Inteirados dessa dependência extratora de saúde na banca, no país e na sociedade, os UHF iniciaram a actuação com «A minha geração», seguindo-se «Um mau rapaz» e «Persona non grata».

       Diante dos temas mais antigos da banda, a interacção do público aumenta de forma espontânea, entoando "Heyahoh la la la / Heyahoh la la la" e dançando nas coxias ao ritmo de «Rapaz caleidoscópio». "Ao longo das digressões, as canções transformam-se e umas são a chama do concerto. Espero que não acendam isqueiros, mas acendam os telemóveis quando o momento chegar", sugeria o vocalista na apresentação de «Acende um isqueiro», tema que ganhou dimensão emblemática após a edição em 2009. No capítulo de versões, interpretou «Vejam bem», de Zeca Afonso – exímio criador de voz demarcada e referência para várias gerações – e, disposta em andamento regular semelhante a marcha, com arranjos de sua lavra a convite da Antena 1, «Povo que lavas no rio», poema de Pedro Homem de Mello, musicado no «Encontro» engendrado por Luis Villas-Boas, entre a cantora Amália Rodrigues e a voz do saxofone de Don Byas.

       António Manuel Ribeiro, intelectual sem ar estafado, recorda que numa sala mais pequena da Academia, acompanhava o seu pai no visionamento de filmes de cowboys na sessão de matinée ao fim-de-semana. Ali, em Janeiro de 1980, os UHF deram um concerto testemunhado pela RTP, cujo resultado memorável é inexplicável para António.

      Sem embarcarem no virtuosismo individual, vale a pena destacar a excelência prestativa de AMR (voz e guitarra), António Côrte-Real (guitarra), Luís Simões (baixo), Fernando Rodrigues (teclas) e Ivan Cristiano (bateria). Dito de outro modo: estamos perante a melhor formação dos UHF, fazendo lembrar a sonoridade dos temas na época da edição. Ao retrato do concerto, em duas canções juntou-se a juventude da Orquestra Porbatuka (percussão), evidenciando que «Os putos vieram divertir-se».

      No uso da palavra que desponta a música para além das individualidades que a interpretam, sabedor que as Belas-Artes servem para compreender a vida, AMR afirma que "sem canções e sem público não haveria UHF. Isto é muito mais que humanismo, é arte!"

      Com a actuação a durar quase três horas e repleta de calor humano, fica a percepção que o público do grupo almadense é sui generis. O verdadeiro segredo para tal é simples: para além de sentido de afecto, os UHF não usam o público como marioneta.

     Quanto ao repertório seleccionado, o universo dos álbuns «À Flor da Pele», «Estou de Passagem», «Ares e Bares da Fronteira», «Noites Negras de Azul», «La Pop End Rock», «Há Rock no Cais» e «Porquê?» foi o prato. No segundo encore, preenchido por quatro peças, num ápice o público ficou de pé, escutando os acordes de «Cavalos de corrida», difundidos pela guitarra do outro António. Neste "concerto XXL", assim designou AMR, "porque estamos na quadra do Natal, independentemente da crença religiosa, no âmago do conceito humanidade, podia ser Natal e não uma farsa", desembocando na faixa «Podia ser Natal», do álbum a solo do rosto dos UHF, «Sierra Maestra», editado no início deste século. "Vocês são a melhor prenda de Natal! Temos a alma cheia com o amor que têm pelos UHF", deixando o apelo pronunciado vezes sem conta por Raul Solnado: "façam favor de ser felizes!"

Depois de ler o texto fiquei um pouco mais chegado aos UHF.

Que venham mais reportagens, é sempre um enorme gosto acompanhar o desenrolar dos eventos desta forma.

Ghost4u escreveu:

...

Quanto ao repertório seleccionado, o universo dos álbuns «À Flor da Pele», «Estou de Passagem», ...[/i] ...

Esses foram os unicos albums dos UHF que tinha adolescente desse grupo ... da minha terra e que vi nascer praticamente. Ver a aparência desses rapazes, em tempos idos jovens, sombrios e irredutíveis dà-me a medida e é o espelho da minha propria transformação. Não sei se teria ido ao concerto pois muita àgua passou depois e não creio que estaria em sintonia com essa musica hoje ... no entanto seria com prazer que iria beber um copo là no alto perto do miradouro com Lisboa à frente e aos meus pés !!!...

Obrigado Ghost pelo momento de suavidade melancolica que a tua reportagem me deu !!!

Felizes Festas para ti e para a tua familia

Eu pessoalmente, não sei como dizer isto de forma ligeira...

Detesto UHF, mas adorei a reportagem!

Parabéns

Obrigado Fantasma pela bela reportagem...

Quer se goste quer não, os UHF, ou seja António Manuel Ribeiro, são uma banda incontornável da musica contemporânea Portuguesa.
Vi recentemente um concerto no âmbito dessa comemoração, salvo erra na Aula Magna que passou na TV.

Apareceram alguns convidados, entre eles, o meu amigo Renato Gomes, antigo membro da banda.
Entrou no palco a tocar guitarra cheio de "pica" naquele ar de "puto" sexagenário...!!!

Foi um momento de saudosismo algo melancólico de outros tempos em que via o AMR, no seu estilo inconfundível,
em alguma esplanada da Caparica, sozinho a beber algo, enquanto ia escrevendo algum poema no caderno que trazia consigo.  

E entretanto, passou uma vida...!!!