Mensagens : 3791 Data de inscrição : 04/12/2011 Idade : 65 Localização : Freiria - Torres Vedras
Assunto: Há coisas dos diabos Seg Jun 25 2018, 14:26
Confesso que nos últimos tempos (prá aí 2 anos) sentia-me algo desiludido com o panorama musical, em termos de edições constituindo verdadeiras novidades.
“Que diabo isto cheira-me a vira o disco e toca o mesmo”. Este era, repetidamente, o sentimento que me assolava perante um novo lançamento discográfico, independentemente do género musical editado.
As minhas compras mais recentes cingiam-se a discos que, ou não tinha tido a oportunidade de adquirir em devida altura, ou a tentativa – sempre inglória – de recuperar a discografia vinílica desperdiçada nos anos noventa.
Mas há realmente coisas dos diabos. Eis senão quando, este ano, logo no início e agora próximo do meio do ano, duas lendas da nossa música e do nosso cancioneiro popular “mais elaborado e pensado” surgem com outras tantas obras, que não destoariam da classificação de discos do ano:
Sérgio Godinho, com “Nação Valente” José Mário Branco, com “Inéditos 1967 – 1999”
O primeiro, canto-autor (ou como ele tanto gosta de se auto classificar de "escritor de canções") é reconhecido por não ser um músico muito produtivo, no tocante ao lançamento de novos discos. Quando os faz, faz quase sempre bem. Muito bem mesmo.
Com um álbum onde a esmagadora maioria dos temas têm a sua assinatura nas letras, mas não nas músicas, recorre, para as fazer, a um conjunto de individualidades que Godinho mais respeita musicalmente e onde alguns têm idades para serem seus netos – excepção dos temas “Noites de Macau”, com letra e música do próprio e “Delicado”, com letra e música de Márcia (uma das “netas”), contudo, todo o álbum tem uma identidade bem própria e bem centrada na forma de Sérgio Godinho fazer / compor música, com permanente intervenção social, moderna, oportuna e de elevado nível técnico-musical.
José Mário Branco é um outro canta-autor, hoje-em-dia bem estabelecido como produtor e editor musical, nomeadamente na onda do novo Fado, começa neste duplo álbum, somente em CD, por nos oferecer um percurso de 32 anos de músicas que por estas, ou por aquelas razões nunca foram editadas ou algumas, tendo sido, não o voltaram a ser e ficaram no mais puro esquecimento.
O primeiro CD começa por cerca de 8 temas do cancioneiro Medieval Português – Canções d’Amigo” – maioritariamente musicadas pelo próprio Zé Mário. O restante disco e o segundo CD, fazem um périplo pela intervenção, folclore, fado, balada, onde muitos (para não dizer todos) os temas foram rigorosamente reeditados a partir das bandas magnéticas originais, mas, somente em CD, por expressa vontade do próprio.
É certo que durante cerca de 17 anos, muitos dos temas jamais veriam a luz do dia, barrados no crivo do lápis azul da Censura, e os outros 15 anos teriam temas, onde a opção de José Mário, acabou por relegá-los para uma qualquer gaveta. Todavia, depois de ter ouvido o álbum todo, a questão de “Porquê só agora?” se impõe dada o extraordinário espólio de letras e músicas de excepção do Cancioneiro Popular Português, em nada popularucho e carregado de actualidade e convergência temática face aos nossos dias.
Arrisco a aconselhar a aquisição indispensável destas duas obras
Evan Oliveira Membro AAP
Mensagens : 184 Data de inscrição : 15/11/2017 Idade : 64 Localização : Capital... da Bairrada!
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Seg Jul 16 2018, 16:08
Ora aí está. Grande dica, muito obrigado.
Eu serei talvez mais um desses "velhos do Restelo", que não se revê nas "modernices" musicais . Mal quiçá, porque sempre aparecem coisas interessantes. No entanto, a entusiasmada vivência musical de outrora que se foi cimentando ao longo de dezenas de anos, empurra-me inevitavelmente para o passado. Ultimamente, tem sido o procurar algo antigo na musica Portuguesa e nem só, mas que ainda não faça parte da discografia adquirida.
Esta novidade (para mim) de novas edições destes dois monstros da musica Portuguesa é algo muito interessante. Já tenha bastantes álbuns dos dois, sobretudo do Sérgio (que tive o prazer de receber em minha casa um dia... grande Homem...!!!) tenho tudo.
Irei pois procurar estas novidades discográficas, que com certeza, serão uma mais valia para a minha discografia.
jorge.henriques Membro AAP
Mensagens : 1255 Data de inscrição : 07/11/2014 Idade : 54 Localização : Águeda
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Ter Jul 17 2018, 16:41
Estes, são discos que pretendo adquirir. Assim que estiverem a preços apetecíveis, pumba!
Mário Franco Membro AAP
Mensagens : 2494 Data de inscrição : 27/03/2013 Idade : 66
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Ter Jul 17 2018, 17:06
Goansipife escreveu:
Sérgio Godinho, com “Nação Valente” José Mário Branco, com “Inéditos 1967 – 1999”
Li a entrevista com o José Mário Branco (Expresso/Junho/Semana?) falta ouvir o disco. Boa sugestão.
Mário Franco Membro AAP
Mensagens : 2494 Data de inscrição : 27/03/2013 Idade : 66
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Qua Jul 25 2018, 12:56
Goansipife escreveu:
Confesso que nos últimos tempos (prá aí 2 anos) sentia-me algo desiludido com o panorama musical, em termos de edições constituindo verdadeiras novidades.
“Que diabo isto cheira-me a vira o disco e toca o mesmo”. Este era, repetidamente, o sentimento que me assolava perante um novo lançamento discográfico, independentemente do género musical editado.
As minhas compras mais recentes cingiam-se a discos que, ou não tinha tido a oportunidade de adquirir em devida altura, ou a tentativa – sempre inglória – de recuperar a discografia vinílica desperdiçada nos anos noventa.
Mas há realmente coisas dos diabos. Eis senão quando, este ano, logo no início e agora próximo do meio do ano, duas lendas da nossa música e do nosso cancioneiro popular “mais elaborado e pensado” surgem com outras tantas obras, que não destoariam da classificação de discos do ano:
Sérgio Godinho, com “Nação Valente” José Mário Branco, com “Inéditos 1967 – 1999”
O primeiro, canto-autor (ou como ele tanto gosta de se auto classificar de "escritor de canções") é reconhecido por não ser um músico muito produtivo, no tocante ao lançamento de novos discos. Quando os faz, faz quase sempre bem. Muito bem mesmo.
Com um álbum onde a esmagadora maioria dos temas têm a sua assinatura nas letras, mas não nas músicas, recorre, para as fazer, a um conjunto de individualidades que Godinho mais respeita musicalmente e onde alguns têm idades para serem seus netos – excepção dos temas “Noites de Macau”, com letra e música do próprio e “Delicado”, com letra e música de Márcia (uma das “netas”), contudo, todo o álbum tem uma identidade bem própria e bem centrada na forma de Sérgio Godinho fazer / compor música, com permanente intervenção social, moderna, oportuna e de elevado nível técnico-musical.
José Mário Branco é um outro canta-autor, hoje-em-dia bem estabelecido como produtor e editor musical, nomeadamente na onda do novo Fado, começa neste duplo álbum, somente em CD, por nos oferecer um percurso de 32 anos de músicas que por estas, ou por aquelas razões nunca foram editadas ou algumas, tendo sido, não o voltaram a ser e ficaram no mais puro esquecimento.
O primeiro CD começa por cerca de 8 temas do cancioneiro Medieval Português – Canções d’Amigo” – maioritariamente musicadas pelo próprio Zé Mário. O restante disco e o segundo CD, fazem um périplo pela intervenção, folclore, fado, balada, onde muitos (para não dizer todos) os temas foram rigorosamente reeditados a partir das bandas magnéticas originais, mas, somente em CD, por expressa vontade do próprio.
É certo que durante cerca de 17 anos, muitos dos temas jamais veriam a luz do dia, barrados no crivo do lápis azul da Censura, e os outros 15 anos teriam temas, onde a opção de José Mário, acabou por relegá-los para uma qualquer gaveta. Todavia, depois de ter ouvido o álbum todo, a questão de “Porquê só agora?” se impõe dada o extraordinário espólio de letras e músicas de excepção do Cancioneiro Popular Português, em nada popularucho e carregado de actualidade e convergência temática face aos nossos dias.
Arrisco a aconselhar a aquisição indispensável destas duas obras
ALINHAMENTO CD1
Quantas sabedes amar, amigo (ou Mar de Vigo) (Martim Codax / José Mário Branco) Nunca editado
Ai flores do verde pinho (D. Dinis / José Mário Branco) Retirado do EP “Seis Cantigas de Amigo”
Leda m’and’eu (Nuno Fernandes Torneol / José Mário Branco) Retirado do EP “Seis Cantigas de Amigo”
Ma madre velida (D. Dinis / José Mário Branco) Retirado do EP “Seis Cantigas de Amigo”
Levantou-s’ a velida (D. Dinis / José Mário Branco) Retirado do EP “Seis Cantigas de Amigo”
Bailad’ hoje, ai filha (Airas Nunes / José Mário Branco) Retirado do EP “Seis Cantigas de Amigo”
Lelia doura (Airas Nunes / José Mário Branco) Retirado do EP “Seis Cantigas de Amigo”
Ronda do soldadinho (José Mário Branco) Retirado do single “Ronda do Soldadinho”
Mãos ao ar! (Jorge Glória / José Mário Branco) Retirado do single “Ronda do Soldadinho”
Le proscrit de 1871 (Eugène Châtelain / José Mário Branco) Retirado do EP ”La Commune de Paris”
Cantar da viúva de emigrante (José Mário Branco) Retirado do EP “Música do filme: Gente do Norte”
Fuga do mar (Alexandre O’Neill / José Mário Branco) Retirado do EP “O Ladrão do Pão”
Fim de festa (José Mário Branco) Nunca editado
CD2
Eu não tenho a certeza (José Mário Branco) Nunca editado
São João do Porto (João Lóio / José Mário Branco) Retirado do single “Qual é a tua, ó meu?”. Originalmente incluído no single “Marchas Populares”
Remendos e côdeas (José Mário Branco segundo Bertolt Brecht / José Mário Branco) Retirado do LP “100 anos de Maio”
Fantaisie Languedocienne – 1º andamento (José Mário Branco) Nunca editado
Fantaisie Languedocienne – 2º andamento (José Mário Branco) Nunca editado
Fantaisie Languedocienne – 3º andamento (José Mário Branco) Nunca editado
Fim de verão (à maneira d’ Os Conchas) (José Mário Branco) Nunca editado
Le cafard (à maneira de Eddy Mitchell) (José Mário Branco) Nunca editado
Sotto il sole, sulla spiaggia (à maneira de Adriano Celentano) (José Mário Branco) Nunca editado
Trompete-slow (à maneira de Helmut Zacharias) (José Mário Branco) Nunca editado
Dô-Yô (à maneira de The Shadows) (José Mário Branco) Nunca editado
Quantos é que nós somos (Manuela de Freitas e José Mário Branco / José Mário Branco) Retirado do LP “Obrigado, Otelo!”
Alma herida (bolero à maneira de Antonio Machin) (José Mário Branco) Nunca editado
Goansipife Membro AAP
Mensagens : 3791 Data de inscrição : 04/12/2011 Idade : 65 Localização : Freiria - Torres Vedras
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Ter Nov 19 2019, 12:46
José Mário Branco (1942 - 2019)
Morreu alguém que é incontornável na Música Portuguesa
Ghost4u Membro AAP
Mensagens : 14350 Data de inscrição : 13/07/2010 Localização : Ilhéu Chão
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Ter Nov 19 2019, 13:18
25 de Maio de 1942 - 19 de Novembro de 2019
Nascido no Porto, no seio de professores do ensino básico, José Mário Branco, sem ser compositor de massas, renovou a atmosfera da música portuguesa antes e pós revolução de Abril, ocorrida em 1974. Enquanto arranjador, pautava por processos simples, marcando a nova forma de produzir fado, patente em trabalhos de Camané e Kátia Guerreiro. Resistindo ao reconhecimento público em prol do sentimento popular de gratidão, rejeitou a condecoração proposta por Marcelo Rebelo de Sousa, vigésimo Presidente da República Portuguesa. Com 50 anos de carreira, teve a inquietude como fio condutor na composição. Pereceu aos 77 anos.
Mário Franco Membro AAP
Mensagens : 2494 Data de inscrição : 27/03/2013 Idade : 66
Assunto: Re: Há coisas dos diabos Ter Nov 19 2019, 17:28
Ghost4u escreveu:
25 de Maio de 1942 - 19 de Novembro de 2019
Nascido no Porto, no seio de professores do ensino básico, José Mário Branco, sem ser compositor de massas, renovou a atmosfera da música portuguesa antes e pós revolução de Abril, ocorrida em 1974. Enquanto arranjador, pautava por processos simples, marcando a nova forma de produzir fado, patente em trabalhos de Camané e Kátia Guerreiro. Resistindo ao reconhecimento público em prol do sentimento popular de gratidão, rejeitou a condecoração proposta por Marcelo Rebelo de Sousa, vigésimo Presidente da República Portuguesa. Com 50 anos de carreira, teve a inquietude como fio condutor na composição. Pereceu aos 77 anos.
A Celebridade Fernando Pessoa
Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças.
O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes de sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas ações – ridiculamente humana às vezes – e que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espetaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de gênio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu gênio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz.
E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a penas sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo instinto… de dar nas vistas e nos ouvidos.
Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que “homem de gênio desconhecido” é o mais belo de todos os destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não o mais belo, o maior dos destinos…
Vão-se-me os olhos da alma nessas figuras supostas – e quem sabe a que ponto reais? – que, verdadeiramente, realizam o supremo destino do homem: o máximo do poder no mínimo da exibição; o mínimo da exibição por certo, por terem o máximo do poder…