Canções que atravessam uma vida

Desde a ilha dos Celtas, uma voz muito influenciada pelo "Rhythm & Blues" de New Orleans...

Sir Van Morrison (Isabel II atribui-lhe o título de Oficial da Ordem do Império Britânico) tem uma carreira com cerca de setenta anos. Nascido em Belfast em 1945, também conhecido como "Belfast Cowboy" aquando da sua associação com o grupo norte-americano "The Band" na década de setenta, Van Morrison busca inspiração numa vasta rede de culturas musicais: a "folk" celta e o "country" americano, o "soul" e o "jazz", o "gospel" e o "R&B"...
Aquando do "Grande Confinamento" de 2020 foi uma das vozes, dentro do circuito musical, mais críticas daquele, o que lhe valeu muita polémica e mesmo ameaças de retirada de prémios atribuídos...

No que à música diz respeito a crítica tem sido bondosa que o homem merece. "Astral Weeks" (1968), o seu segundo LP, é considerado por alguns um dos melhores discos dos últimos 100 anos. Como nem sempre concordo com os críticos, que a rebeldia a isso obriga, considero "High Nose the Highway" o meu LP favorito de Van Morrison.

"Snow in San Anselmo" (1973)

Make it simple, America!

Conheço os Estados Unidos da América apenas pelos filmes, que uma viagem até lá, para ser a sério, ocuparia mais ou menos 365 dias da minha vida e recursos financeiros que não posso atribuir a tal fim.
Mas há filmes que me trazem uma (ou várias, conforme se entenda) imagem de uma América profunda, variada e enigmática: "Zabriskie Point" de Antonioni, "Easy Rider" de Dennis Hopper, "Thelma & Louise" de Ridley Scott, "Paris, Texas" e "Land of Plenty" de Wim Wenders, "Bagdade Cafe" de Percy Adlon... para citar apenas meia dúzia.

Há um LP que também me faz sentir essa América profunda, variada e, sobretudo, enigmática:
Bruce Springsteen e o seu álbum de 1982, "Nebraska".
De uma simplicidade perturbante, uma audição de olhos fechados e o nosso cérebro depressa visualiza a paisagem vista do pára-brisas de um Grand Cherokee 4.0 a deslizar por uma pradaria do Nebraska (ou do Kansas ou do Wyoming ou do Iowa ou uma outra pradaria qualquer), com uma daquelas formações rochosas tão típicas dos filmes de "Western" por horizonte.

"Reason to Believe":

Bom texto de agorgal, que eleva a proposta «Reason to believe».

Vivendo num país que adora futebol, "Xutos e Pontapés" não faltam!

"Delirium Tremens" e "Beijinhos e Parabéns" acabaram por ser "Xutos e Pontapés". Variadas formações iniciadas  em 1979 com José Leonel, Tim, Zé Pedro e Kalú e acabadas com Tim, Kalú, João Cabeleira e Gui...

Os "Xutos", assim carinhosamente apelidados, eram um pouco os "Rolling Stones" tardios portugueses.
Rock, rock e mais rock com uma balada pelo meio de vez em quando, no final dos setenta e durante os oitenta. Continuaram nos noventa e pelo século XXI afora mas já não era a mesma coisa.

"A minha casinha" foi uma das canções de maior sucesso. Com música de António Melo e letra de Silva Tavares foi  interpretada pela Milú e fazia parte da banda sonora do filme "O Costa do Castelo" realizado por Arthur Duarte em, imagine-se, 1943.

Um pouco mais actual, "Contentores" do LP "Circo de Feras":

Se bem que poderia ser melhor...

Escrita por Bob Thiele e George David Weiss, interpretada pela primeira vez num espectáculo ao vivo em 1959, foi apenas editada em "single" em 1967. Teve inicialmente mais sucesso no Reino Unido do que no seu país de origem.
Para a população negra norte-americana o mundo maravilhoso não passava de um sonho. Estavamos no tempo da luta pelos direitos civis e o fim da segregação, desencadeada por Rosa Parks em Montgomery, Alabama em 1955 e que culminou na Marcha de Washington em 1963. "I have a dream" disse Martin Luther King, aos pés de um Lincoln sentado e de olhar atento.

"What a Wonderful World", a voz inconfundível de Louis Armstrong



Muitos anos depois, no projecto "Playing for Change":



I have a dream:

A cantiga também pode ser uma arma...

José Mário Branco não era pessoa fácil de lidar. Mas a mensagem que a sua voz nos transmitiu, nos anos mais loucos da nossa história recente, não se esquece. "FMI", publicado em 1982, continua a ter uma actualidade impressionante.
Aqui fica o poema de Natália Correia musicado pelo próprio para o álbum de 1971 "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades", editado em Paris no tempo em que para se ser livre, para se poder dizer "quero ser livre", não se podia dizer em Portugal, tinha-se que o dizer muito longe da pátria, tinha-se que o dizer desde o exílio.

"Queixa das Almas Jovens Censuradas":



(...)
Penteiam-nos os crâneos ermos
Com as cabeleiras dos avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
(...)

Ghost4u escreveu:

(...)
e «A noite» (28´19"), editado em 1985.
(...)

Caro "Ghost4u"

"A Noite", talvez a mais sofisticada criação de José Mário Branco, musicalmente falando, e que demonstra o seu virtuosismo enquanto compositor. Penso não cometer nenhum sacrilégio em afirmar que não se trata de uma canção mas de uma cantata com as palavras escritas a duas mãos, se bem que separadas por um pouco mais de um século... um dueto Antero de Quental / José Mário Branco nas palavras que na voz o tempo (a morte) não perdoa.
Também não cometerei nenhum sacrilégio em colocar "A Noite" no mesmo nível do "Poema Sinfónico Antero de Quental", a belíssima obra do compositor Luís de Freitas Branco (de 1908) dedicada ao grande escritor e poeta.

Em concordância com as suas palavras expositivas.