David Bowie RIP

      Nestes dias, tendo ouvido individualidades referirem-se ao desaparecimento de David Bowie, como uma "enormíssima perda que deixa saudade", dou comigo a rir-me dos comentários provenientes de pessoas para as quais Bowie não faz parte do lote das suas preferências musicais. Poderá parecer estranho, mas a mediatização tem destas coisas...

      Apesar de não apreciar toda a obra de David, considero, sem laivos de hipocrisia, que durante cinco décadas foi um fazedor de Belas-Artes. Usando a intelectualidade, inventou e deu vida a personagens através da sua criativa e inovadora música, tendo por base a elipse, a metáfora e a crítica ideológica. Fazendo sempre o que quis, sem permitir que os tubarões da indústria discográfica fizessem dele o que pretendiam que ele fizesse, a sua arte é feita de contrastes com notável expressão teatral. Abraçou o punk-rock, tornando-se no músico modelo para outros autores, passou pela música soul em «Young americans» (1975) e, quando se pensou que estava acomodado ao enorme sucesso obtido no registo pop «Let´s dance» (1983), mais uma vez reinventou-se, surgindo em 1997, no movimento drum´n´bass com «Earthling». Ao comemorar 69 anos, este ser que no começo dos anos 70 parecia chegado do espaço, editou «Blackstar». Trata-se de um registo com apontamentos jazzísticos, como aconteceu com «Lady Grinning Soul», tema que encerra o álbum «Alladin Sane» (1973). Agora que a sua ausência é notada, entendemos o álbum como uma carta de despedida, notória em «Lazarus» - título do musical em cena na cidade de Nova Iorque, tendo o autor colaborado na encenação do espectáculo.

      Durante dezoito meses lutou contra o cancro no fígado. Ocultou a doença dos seus admiradores e dos músicos que em segredo participaram nas gravações do álbum. Aliás, tal atitude não é estranhável, porquanto nunca permitiu o acesso ao universo da sua privacidade.

      Tendo produzido trabalhos de Lou Reed e Iggy Pop, por tudo o que significa no enriquecimento da música anglo-saxónica, ao invés de lamentar a inesperada morte, agradeço a sua arte contemplativa, que perdurará ao longo dos tempos. OBRIGADO DAVID BOWIE!